VIII Congresso Internacional da Sociedade Hegel Brasileira

LÓGICA E METAFÍSICA EM HEGEL

28, 29 e 30 de Outubro de 2015

Caderno de Resumos

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Adilson Felicio Feiler
A diversidade como lógica nos escritos da juventude de Hegel.
O objetivo da lógica, no pensamento de Hegel, é compreender as estruturas internas integradoras do pensamento de modo a corrigir seus equívocos, no sentido de apresentar seus desdobramentos e mediações. Embora, por um lado, nesse período do pensamento de Hegel tem-se apenas uma lógica implícita, por outro lado, Hegel reconhece que a clarificação conceitual não pode ser concebida como distante da vida cotidiana. A sua lógica constitui um todo orgânico de categorias que se entrelaçam dialeticamente ao operar mediações com as instituições do mundo concreto. Hegel segue as sendas de Kant, a partir da distinção entre conceitos empíricos e categorias. Essas segundas são mais gerais e abstratas; fazem sentido apenas quando pensadas no mundo da vida, no qual diversas formas de agir humano se desenvolvem, constituindo uma estrutura universal e diversa da vida em sua plenitude — intelecto e paixões que é o amor. A lógica, em Hegel, se depreende a partir do desdobramento daquela unidade imediata e da tensão da duplicidade imediatidade como Leistungsfähigkeit (potencialidade) num outro dela mesma e num oposto na etapa categorial seguinte da Vielfältigkeit (diversidade), aquela oposição presente na relação sujeito-objeto. Dessa relação se depreende o conceito de Ser, “[...] ser [é] a síntese do sujeito e do objeto, no qual sujeito e objeto perderam sua contraposição”, evidência inegável de um sistema dialético embrionário. Este não é ainda um sistema completo, mas estável, pois, dos resultados obtidos na lógica depende todo o resto do sistema. Assim, para além de uma compreensão meramente moral, religiosa e política, há, no período de Frankfurt, uma compreensão lógica. Porém, é uma lógica orgânica, pois ainda não deriva um sistema categorial, mas uma estrutura vitalista que lança as bases da lógica do sistema maduro. Nossa intenção é a de apresentar, mediante a categoria de Vielfältigkeit (diversidade), a maneira pela qual, nos textos da juventude de Hegel, especialmente no Espírito do Cristianismo e seu destino, qual o papel da lógica para o empreendimento de seu projeto organicista e como propedêutica para o seu sistema maduro.
Agemir Bavaresco e Christian Iber
Determinações modais da efetividade na lógica da essência hegeliana.
A teoria da modalidade hegeliana é tematizada no segundo capítulo da terceira seção da Lógica da Essência. Hegel explicita, aqui, a efetividade que se determina nas chamadas modalidades: contingência, possibilidade e necessidade. As modalidades explicam a efetividade conforme sua determinação formal, real e absoluta. Nelas se reproduz a sequência lógica de graus do ser, da essência e da unidade de ambos como modos de determinação da efetividade por meio do entendimento filosófico (cf. Leibniz, Aristóteles/Kant, Schelling). A análise lógica da essência da efetividade no segundo capítulo se desdobra em três itens: A) A efetividade, que é efetiva apenas conforme sua possibilidade formal, é necessidade formal ou contingência. Os dois polos da relação são, inicialmente, o efetivo e o possível. Eles são apenas diferenças formais, como ser posto contingente. B) A efetividade, que é efetiva na sua possibilidade real, é necessidade relativa. O efetivo e o possível determinam- se como efetividade real, isto é, como possibilidade real e necessidade relativa. C) A efetividade, que é efetiva conforme sua determinação absoluta, é a necessidade absoluta. A necessidade relativa reflete-se e produz a necessidade absoluta, isto é, a possibilidade e a efetividade absolutas. A lógica das modalidades, assim como toda a lógica objetiva, tem uma função crítica. Ela é a apresentação crítica da determinação lógico-modal da efetividade que é feita, habitualmente, pelo entendimento. Os modos de determinação apresentados, criticamente, da efetividade têm tanto um status ontológico como também um satus epistemológico. Duas leituras são, então, possíveis: ontológica e epistemológica que se complementam reciprocamente. Os modos de determinação lógico-modais da efetividade mostram esta como ela existe na natureza, portanto, como uma efetividade que ainda não é permeada da liberdade do espírito. Uma possível atualização do tema é o seguinte: daqui se segue como tarefa prática uma humanização da natureza, mas não uma naturalização do ser humano.
Alfredo de Oliveira Moraes
A dialética do conceito: fenomenologia, lógica e metafísica.
O autor apresenta uma reflexão sobre a Dialética do Conceito em Hegel, a partir das suas imbricações constitutivas entre Fenomenologia, Lógica e Metafísica, na tentativa de instigar tanto uma busca por Hegel nele mesmo como propor uma crítica às críticas da Metafísica formuladas no século 20, assentada na possibilidade de uma metafísica originada na filosofia hegeliana.
Cesar Augusto Ramos
Teoria unificada da liberdade. A contribuição de Hegel
Pretende-se examinar o conceito hegeliano de liberdade que se exprime na fórmula “estar consigo mesmo no outro” (bei sich selbstsein im Anderen), o qual unifica, de modo articulado, a face individual que se revela no caráter autorreferente (o “estar consigo mesmo”) do elemento da autonomia do sujeito, que é autor das suas ações com ela identificando-se, dando-lhes sentido e significado que advêm da sua vontade de forma livre e independente e a face intersubjetiva, presente no elemento da alteridade (o “outro”), o qual se traduz na relação do sujeito (e da sua liberdade subjetiva) com uma realidade externa, mas que faz parte da sua própria identidade. Por intermédio da inclusão dessa “outridade”, a experiência da autonomia se efetiva mediante a interação com os outros indivíduos e instituições do contexto social e político, perfazendo, assim, o conceito social de liberdade. Com isso, pretende-se a) destacar tanto o lado individual (subjetivo) da liberdade como o social (intersubjetivo); b) mostrar que a realização efetiva (Wirklichkeit) desse conceito retrata a conexão de suas três instâncias: a conceitual (lógico/especulativa) a histórica (temporal) e a normativa (axiológica); b) aproximar, de forma comparativa, esse conceito com outras teorias da liberdade/autonomia, tanto individual (Kant, I. Berlin, J. Rawls), no contexto do liberalismo, como social (H. Arendt, C. Taylor, P. Pettit) — estes últimos no âmbito do republicanismo; c) apontar para a tensão que existe entre a face individual e intersubjetiva diante de relações de coerção e dominação; d) ressaltar que essa tensão é superada pela mediação da categoria do reconhecimento, a qual permite derivar para uma perspectiva política (republicana) da liberdade; e) mostrar que esse projeto hegeliano foi retomado por A. Honneth na sua proposta de “reconstrução normativa” do conceito hegeliano de liberdade.
Christian Iber
Sobre o duplo caráter da Lógica de Hegel: teoria das formas do pensamento e metafísica da razão.
A presente palestra está estruturada em quatro partes: num primeiro momento, delinearei o conceito de filosofia de Hegel e esboçarei o objetivo filosófico geral de Hegel. Num segundo momento, que abrange o caráter duplo da Lógica hegeliana, virão à baila os seguintes temas: do ponto de vista racional da Lógica, esboçarei, em primeiro lugar, o objeto da Lógica, em segundo, lançarei um olhar sobre as três partes da Lógica e, no terceiro momento, abordarei o problema do método dialético. Por fim, tentarei revelar o elemento metafísico da Lógica.
Claudio da Silva Costa
Igrejas cristãs: Hegel e Lampedusa sob a égide da modernidade líquida.
Este trabalho desenvolve uma análise sobre a adequação das igrejas cristãs a esta sociedade pós-moderna, que Bauman chama de Modernidade Líquida, na qual o corpo, a sexualidade e as liberdades ganharam uma visibilidade e uma relevância hipertrofiada. A investigação filosófica se envereda pelas permanências e pelas rupturas nos dogmas eclesiásticos, identificando os seus pontos rígidos e as flexibilizações necessárias para que as igrejas mantenham o seu status quo. As igrejas selecionadas para servirem de estudo foram a igreja católica e as igrejas neopentecostais. O estudo se fundamenta na dialética hegeliana, abordando criticamente os conceitos de escravidão e de dominação presentes na Fenomenologia do Espírito e realizando uma ligação com as práticas religiosas coevas. O trabalho também propõe uma integração do pensamento hegeliano com o clássico literário de Tomasi di Lampedusa, O Leopardo, a fim de apresentar as semelhanças hermenêuticas entre a obra e os dois autores. Lampedusa, ao narrar uma aristocracia nobiliárquica italiana do século XIX, que perde espaço para uma burguesia emergente, mas que tenta se sustentar empoderada, estabelece um vínculo teórico com a proposta de Hegel de tese, antítese e síntese. A proposta deste constructo filosófico é suscitar um leque de intelecção capaz de abarcar a dinâmica sociocultural na qual as igrejas, investigadas nesta análise, estão inseridas.
Cleiton Gil Barbosa
O conceito de espírito, lógica e os padrões pós-metafísicos: indagações provocativas acerca da atualidade da filosofia hegeliana.
A relação entre o conceito de espírito e a lógica é que esta é espírito pensando a si mesmo em seus aspectos formais do pensamento, ou seja, é uma esfera daquele. Há uma tensão declarada, na pesquisa em Hegel, quando a analisamos sob o horizonte do pensamento contemporâneo. Embora seja bastante discutível e variado, este pode ser definido como pós- metafísico, no sentido de aposta em um conceito de razão que se sabe devedor de contextos comunicativos de ações intersubjetivas, retirando dos destes seu padrão e validade. A filosofia hegeliana fornece um grande arcabouço conceitual para tal horizonte, especialmente em sua fase de juventude, em Jena, com conceitos conhecidos de intersubjetividade e reconhecimento. Mas, a partir de 1807 e se abrangendo programaticamente nos escritos posteriores, a ideia de espírito e a compreensão da realidade como sua autoextrusão parecem diminuir a centralidade daqueles conceitos- chave para a contemporaneidade. O conceito ontológico de espírito prescreve que o espírito é o verdadeiro, e “todo o agir do espírito é só um compreender de si mesmo, e a meta de toda a ciência verdadeira é que o espírito se conheça a si mesmo em tudo o que há no céu e na terra”. Segundo Habermas, somente o jovem Hegel é fecundo para o pensamento pós- metafísico, pois ainda não está presente o conceito ontológico do espírito, que não permite pensar a intersubjetividade e os contextos comunicativos da razão como formadores da própria realidade. Honneth acata as premissas pós-metafísicas, mas entende que há interpretações hegelianas ainda fecundas para a contemporaneidade. A comunicação vai proceder a partir de uma explicação breve do que seria o padrão pós-metafísico de pensamento e alusão dos conceitos hegelianos fecundos para este; posteriormente, serão explicitados o conceito hegeliano de espírito presente na Enciclopédia, sua relação com a lógica e a crítica de Habermas àquele conceito; e, por último, devemos indagar, a partir de Honneth, se o conceito ontológico de espírito dos escritos maduros de Hegel, e a lógica em relação a ele, podem se manter sob o horizonte conceitual contemporâneo.
Cristiane Moreira de Lima
A visão de Hegel sobre o Direito e sua funcionalidade.
Hegel apresenta a filosofia como compreensão daquilo que é. Dessa maneira, sua Filosofia do Direito dissemina uma perspectiva de toda a história do pensamento político, apresentando observações de extrema relevância. Enquanto filósofo e pensador político, Hegel se preocupou com a questão da religião, da arte, da estética, da moral, do direito, da liberdade, e procurou fundi-los em uma unidade absoluta. Na verdade, Hegel almeja restaurar o que a modernidade separou: sujeito-objeto, homem-cidadão, política-moral. No seu sistema de entendimento, Hegel expõe a verdadeira vida ética como um regresso do sujeito à participação efetiva na vida comunitária, possuindo, agora, a liberdade como fundamento, alicerce da nova vida ética. A Política, em Hegel, não se restringe à organização, à administração, correlacionando-se a vida social vinculada à perspectiva do direito e sua realização, mantida e garantida pelo Estado. A ideia do direito compreende o conceito do direito como um sistema orgânico estabelecido no plano da normatividade, possibilidade da existência plena, ou seja, uma existência que não viva somente em si mesma, mas busque o outro na expressão objetiva da sua realização, lembrando que a realização é um fenômeno ético, portanto, social. O direito, enquanto sistema orgânico, não está submisso à sorte empírica, sendo, a princípio, um objeto filosófico, possuindo um conteúdo universal. O direito é a realidade, o concreto, a preocupação do pensamento enquanto fonte da reflexão do espírito na efetiva realização da razão histórica. O direito posiciona-se no interior da filosofia porque dele deseja extrair o seu conceito, sua essência, como ele é em si mesmo e sua realização positiva como meio de atingir a liberdade. Todavia, o direito, em Hegel, desdobra-se na universalidade positiva, que, ao mesmo tempo, atribui considerar o sujeito sem desvinculá-lo do universal: liberdade, então, seria a superação do particular em benefício da vida ética em sociedade, universal. Em última análise, o direito seria a própria racionalidade estabelecendo a vida comunitária como forma imprescindível da vontade livre. O direito é enunciado universal, agora, de maneira normativa, que predomina no sentido de estabelecer uma subordinação capaz de promover o equilíbrio no transcorrer da vida.
Danielle Lima de Paula
O Direito contra o não Direito: a analogia entre o juízo negativamente infinito e o crime em Hegel.
No capítulo sobre o “direito”, na obra Enciclopédia das Ciências Filosóficas, Hegel expõe sobre “o direito contra o não direito”. Segundo ele, o direito, como ser-aí da liberdade no exterior, recai em uma pluralidade de relações para com esse exterior e para com as outras pessoas. Ele entende que todo processo social começa com a confrontação do indivíduo com seu entorno sob a perspectiva de encontrar nele satisfação para suas carências e seus desejos. O sujeito que ele tem em mente parte de suas necessidades para se reportar ao mundo, e, na busca de satisfação, toma posse de uma parte da terra para sua subsistência. Esse “tomar posse” permite ao humano evoluir e não apenas satisfazer suas necessidades, mas acumular produtos para fazer trocas. Hegel expõe que a relação contratual que enseja um livre-arbítrio, contém, ao mesmo tempo, o ser-oposto da vontade acidental, e esta é um não direito, que não suprime o direito que é em si e para si, mas faz nascer uma relação do direito ao não direito. A presente comunicação irá expor as formas de agir perante o direito, que estabelece as diferentes formas que assume o juízo do ser-aí, também dito juízo qualitativo. Uma das formas que o juízo qualitativo pode assumir é o juízo negativamente infinito, cuja analogia é o crime. Quem comete um crime, nega o seu direito em geral, e deve ser punido porque violou o direito como tal. Hegel compara o tipo de ação delituosa própria com o juízo infinito. Para ele, é a forma sentenciosa em que no predicado se nega, além da particularidade do conteúdo, toda a sua extensão, ou seja, sua universalidade. Diante de todo o exposto, o objetivo dessa comunicação é analisar como é abordado, pelo filósofo, a analogia entre o juízo negativamente infinito e o crime, o direito contra o não direito. E, nesse sentido, será que o direito apenas positivado é suficiente para garantir a coesão social e evitar insubordinação à norma?
Danilo Vaz-Curado R M. Costa
É possível ler a lógica sem a metafísica? Uma crítica a Pirmin Stekeler-Weithofer.
O presente trabalho objetiva refletir sobre a possibilidade de se interpretar a Lógica hegeliana sem o recurso à metafísica. Para a efetivação desse propósito, a dita relação será avaliada em paralelo com a proposta de Pirmin Stekeler-Weithofer, em sua obra intitulada A Filosofia da Autoconsciência [Philosophie des Selbstbewusstseins], na qual se propõe uma leitura analítica da Ciência da Lógica de Hegel enquanto teoria crítica do significado. Para a efetivação do objetivo perseguido no presente trabalho, se dividirá a reflexão que se expõe em três momentos. Os dois primeiros blocos da investigação que aqui se apresentará proporcionarão a apreensão de dois objetos distintos de análise e reflexão, para, no terceiro momento, se avaliar o potencial produtivo ou não de dita composição de lógica sem metafísica. O primeiro momento centraliza-se na questão de se a leitura da lógica hegeliana é possível sem o recurso à metafísica, procurando (i) inicialmente identificar como Hegel compreendeu a relação entre a lógica e a metafísica em Jena; em sequência, (ii) se buscará, com o auxílio aos prefácios da Ciência da Lógica, estabelecer como Hegel compreendeu a dita relação na exterioridade da obra Lógica, para, em seguida (iii), interpretar, a partir da obra lógica de Hegel, como se desenvolve essa relação, se ela é produtiva e se ela é possível. Num segundo momento, se assumirá como objeto de sua análise e reflexão a obra A Filosofia da Autoconsciência, por tratar-se de uma perspectiva analítica de leitura de Hegel que assume como pressuposto a possibilidade de prescindir da metafísica, ou, em termos menos fortes, elaborar uma leitura pós- metafísica da lógica hegeliana. Para a consecução do segundo momento, se fará (i) uma apresentação geral do projeto da obra, explicitando seus vetores internos e suas condicionantes externas; (ii) se lhe situará no contexto da Hegel-Forschung, e, por fim, será apresentada uma análise crítica acerca do projeto perseguido por Weithofer. No último bloco, será exposto, em breves linhas, como a proposta de uma leitura tal como desenvolvida em A Filosofia da Autoconsciência se coloca frente à lógica hegeliana, em particular, e a filosofia hegeliana, em geral, para assim responder à pergunta acerca da possibilidade de uma leitura da lógica sem o recurso à metafísica.
Diogo Ferrer
Hegel e a Transformação da Lógica em Metafísica.
Esta comunicação estuda as relações entre Lógica e Metafísica em Hegel de uma perspectiva simultaneamente genética e sistemática. (1) Começa por estudar a Lógica e Metafísica de Jena de 1804/1805, em que a Lógica é apresentada como uma propedêutica à Metafísica. É brevemente exposto e debatido o modo como os conteúdos e o método estão divididos pelas duas disciplinas. (2) Apresentam-se, em seguida, as insuficiências dessa concepção e as razões por que essa divisão de disciplinas foi abandonada por Hegel e a Metafísica absorvida pela Lógica. No mesmo âmbito dessa transformação da concepção do sistema de Hegel, compreende-se por que a função propedêutica foi assumida, em 1807, pela Fenomenologia do Espírito, cuja concepção se revela muito mais adequada às exigências teóricas de uma introdução a uma ciência que não pode renunciar à sua própria autofundamentação. (3) São então apresentadas as diferentes formulações acerca da unidade entre Lógica e Metafísica, a partir de 1809, na Propedêutica Filosófica, Ciência da Lógica e na Enciclopédia, e discutido o seu significado no que se refere ao problema de uma “interpretação não metafísica” da Ciência da Lógica de Hegel. (4) O trajeto histórico-conceitual de Hegel, assim como o sentido das diferentes formulações da unidade de Lógica e Metafísica, entre 1809 e 1831, autorizam que se leia tanto uma transformação crítica da Metafísica moderna em Lógica quanto uma transformação constitutiva da Lógica numa metafísica da subjetividade, sob a forma de uma metafísica da significação e da relação. A interpretação da Ciência da Lógica como uma teoria ontológica do significado não invalida uma parte importante do seu sentido metafísico.
Eduardo Luft. Na contramanto uma transformação crítica da Metafísi
Busca-se traçar um paralelo entre as filosofias de Platão e Hegel, mostrando a gênese da dialética na reflexão sobre o problema do não ser. As afinidades entre platonismo e hegelianismo se estendem à presença de um viés para o Uno na teoria dos primeiros princípios e em seu desdobramento na estrutura do sistema de filosofia como um todo. Ao Platão tardio caberá, contudo, a última cartada: é possível um outro caminho, uma radicalização do tratamento dialético da díade categorial Uno/Múltiplo. O diálogo com a alternativa inaugurada pelo Platão tardio pode ser o ponto de partida para uma renovação do pensamento dialético
Erick Lima
Liberdade e Autodeterminação: notas sobre a noção hegeliana de normatividade.
O desenvolvimento do pensamento hegeliano problematiza a tese de que a modernidade pudesse retornar romanticamente a passados idealizados, restaurando formas de vida específicas e pré- modernas, capazes de refrear as tendências destrutivas e fragmentadoras impostas pela concepção subjetiva da liberdade, e mesmo da liberdade como autodeterminação. Também é possível mostrar que o desenvolvimento teórico de Hegel se deu pela via da necessidade de equipar a compreensão subjetivista da liberdade como autodeterminação com um componente objetivista, institucional e substancialista, relativo às práticas concretas de institucionalização dos processos modernos de justificação, através da qual a própria unilateralidade se torna, em primeiro lugar, legível. Hegel empreende esta sofisticada síntese recorrendo ao componente “comunitarista” presente, por exemplo, em Platão, Aristóteles e Montesquieu. Como Hegel não deseja comprometer o alcance da concepção moderna dos processos de justificação, pensados a partir da categoria de autodeterminação, com essa síntese se torna possível pensar a normatividade moderna do ponto de vista dos processos institucionais constitutivos de formas de vida, ou seja, a visualização da forma como processos especificamente modernos de legitimação se encontram ou podem se encontrar inseridos nas práticas modernas. O objetivo mais geral, poder-se- ia dizer, consiste em pensar, em sua complementaridade, os processos de justificação e sua concretização em práticas, explicitando, assim, o próprio sentido, socialmente relevante, em que a liberdade como autodeterminação pode ser a realização moderna da liberdade. Na contribuição a seguir, pretendo conferir mais concretude e plausibilidade a essa hipótese de leitura. Começo com uma recuperação da crítica de Hegel a Fichte, uma crítica na qual se sobressai a percepção do risco de se perder o potencial normativo da liberdade como autodeterminação ao pensá-la a partir de uma perspectiva atomista (1). Em seguida, a partir dessa crítica a uma noção subjetivista e individualista de autodeterminação, pretendo tematizar o déficit de normatividade encontrado por Hegel na postura teórica do jusracionalismo de Kant e Fichte (2). Finalmente, a partir da Filosofia do Direito, gostaria de pensar a apropriação crítica da liberdade como autodeterminação do ponto de vista da formulação da noção estritamente hegeliana de normatividade (3).
Fábio Mascarenhas Nolasco
A medida e a desmesura da ciência moderna: cálculo infinitesimal e teoria atômica na Doutrina do Ser de Hegel.
Na Medida, último capítulo da Doutrina do Ser da Ciência da Lógica (WdL), Hegel consuma, a nosso ver, simultaneamente, a destruição do conceito tipicamente moderno de lei científica e o esvaziamento lógico da ontologia tradicional. Com base no desmonte lógico do cálculo infinitesimal, apresentado na Quantidade, capítulo intermediário da Doutrina do Ser, Hegel aborda, criticamente, na Medida, as pretensões de cientificidade da teoria atômica da Química, que, no início do séc. XIX, estava em vias de consolidar-se. Trata-se, pois, de deslegitimar a pretensão científica — baseada em má metafísica até hoje predominante — de quantificar as relações químicas tal como se a matéria fosse, em última análise e de fato, composta de elementos-quantidades: os átomos. Elucidar essa empresa hegeliana, elemento primordial da passagem à Doutrina da Essência, é tarefa que consiste em apresentar a confluência de dois conceitos — que, possivelmente, seriam os operadores nucleares de toda a Doutrina do Ser — : o conceito de relação-de-potência e o conceito de afinidade-eletiva. Essa tarefa, contudo, não seria exequível com base apenas no texto hegeliano, solicitando tanto a lida com os tratados científicos com os quais Hegel, a seu tempo, trabalhara, quanto a elucidação da relação dos conceitos hegelianos com elementos da especulação de Schelling e das intuições científicas de Goethe. Essa é a descrição geral da pesquisa que realizaremos nos próximos anos. Presentemente, compartilharemos com os colegas alguns aspectos introdutórios da crítica hegeliana ao atomismo químico de seu tempo.
Federico Ferraguto
Wenn das Anlaufen nicht über den Graben hinüberkommt. Hegel e o realismo racional.
A comunicação visa dar uma contribuição para o estudo da gênese da crítica hegeliana à lógica transcendental de Kant, formulada, por exemplo, na introdução à Ciência da Lógica, a partir de uma interpretação da leitura do realismo racional de Reinhold e Bardili, fornecida, por Hegel, na parte final da Differenzschrift. Uma das teses principais da Ciência da Lógica é que a lógica kantiana renuncia ao pensar especulativo, pois ela transforma a metafísica em lógica, ou seja, identifica as formas subjetivas do conhecer com as essencialidades do pensamento, não apenas subjetivas, mas também objetivas. Trata-se de um problema que atinge, não apenas Kant, mas, sim, os seus maiores críticos do começo do século XIX, isto é, Reinhold, dos Beytraege, de 1801, e Bardili, do Grundriss der ersten Logik. Hegel critica Reinhold e Bardili como expressões de uma indevida fusão entre lógica e filosofia, em que a lógica é um pensamento abstrato baseado sobre uma lei que vale apenas para o entendimento, mas não para a razão. Entendida dessa forma, a lógica é absolutizada e tornada uma metafisica, e o seu “ímpeto” não consegue “colmatar o fosso” (das Anlaufen kommt über den Graben nicht hinüber) que a separa da especulação autêntica. Em outras palavras, o realismo racional estaria do mesmo jeito que a lógica kantiana que ele pretendia criticar, uma reflexão preliminar sobre o filosofar, mais do que desenvolvimento verdadeiro da metafisica. Porém, Hegel, ao criticar Reinhold e Bardili, parece pressupor a validade da própria lógica kantiana e não consegue alcançar a especificidade do conceito bardiliano de “aplicação” (sobre o qual Hegel aponta a sua crítica), que não tem que ser compreendido como um elemento que se junta ao pensamento, mas destaca uma íntima dinamicidade do próprio pensamento que pretende estabelecer justamente uma identidade entre subjetivo e objetivo. A comunicação irá se articular em quatro pontos: a) reconstrução da crítica hegeliana a Reinhold e Bardili na Differenzschrift; b) discussão da relação entre Hegel e a lógica transcendental kantiana à luz da interpretação do realismo racional; c) definição do conceito hegeliano de metafisica na Differenzschrift; d) implicações da crítica a Kant na Ciência da Lógica.
Federico Orsini
Sobre a ideia não pragmatista do início da filosofia em Hegel.
Meu trabalho tem um duplo objetivo. O objetivo geral é a tentativa de destacar a motivação que age nas comparações atuais entre o idealismo e o pragmatismo como tradições filosóficas. O objetivo específico é a discussão da concepção hegeliana do início da ciência como lugar apto a estabelecer a comparação mencionada. A conexão entre os dois objetivos é fornecida pelo conceito hegeliano de Voraussetzungslosigkeit (literalmente, ausência de pressuposição). O esclarecimento desse conceito passará pela elaboração de quatro questões: (i) se a justificação do início da ciência através de um ato de liberdade tem que ser localizada antes da ciência ou no interior dela; (ii) como o ser puro do início da Ciência da Lógica constitui uma pressuposição capaz de mostrar sua necessidade dentro do decurso da própria ciência; (iii) se compreender o início como o resultado de uma abstração é compatível com sua suposta ausência de pressuposições; (iv) se a ‘ausência de pressuposições’ pertence ao que inicia ou a quem inicia (i.e., o sujeito filosofante) ou aos dois. Em conclusão, pretendo apontar um aspecto sob o qual Hegel poderia ser chamado de pragmatista e dois aspectos segundo os quais ele não pode ser classificado de algum modo entre os pragmatistas.
Federico Sanguinetti
Sentido e referência em Hegel? Uma primeira aproximação a partir de um horizonte neofregiano.
Embora as contribuições sobre este tema não sejam muitas, recentemente, tem-se focado a atenção sobre os pontos de contato entre o pensamento de Hegel e o pensamento de Frege. Essa aproximação parece contradizer as tendências historiográficas clássicas, que interpretam os alvores da filosofia analítica como uma decidida reação ao idealismo — tanto o idealismo “clássico” quanto, mais especificamente, a versão inglesa do final do século XIX. Uma tal comparação parece, todavia, justificada por uma série de afinidades teóricas que emergem entre as filosofias desses dois autores, como, por exemplo, i) o caráter objetivo do pensamento, ii) o antipsicologismo, iii) a centralidade da lógica, iv) a importância da linguagem e, em particular, do juízo e da inferência. Nesta breve contribuição, não entrarei diretamente no mérito das analogias e das diferenças entre o pensamento dos dois autores em questão, mas gostaria de me limitar a justificar um aspecto parcial deste projeto mais amplo, ou seja, o recurso a alguns instrumentos teóricos fregianos para investigar a noção hegeliana de pensamento e sua relação com o mundo. Mais especificamente, gostaria de avaliar a plausibilidade de investigar a noção hegeliana de pensamento e sua relação com o mundo a partir da distinção fregiana entre sentido e referência. O recurso a este par conceitual — além de fornecer um instrumento potencialmente capaz de levantar perguntas interessantes a respeito da complexa noção hegeliana de “pensamento” e sobre a epistemologia e a ontologia nela implicadas — permite ressaltar uma diferença teórica central entre dois filósofos contemporâneos que se inspiram explicitamente em Hegel para delinear suas posições teóricas com respeito à relação entre pensamento e mundo — a saber, J. McDowell e R. Brandom. Dividirei minha exposição da seguinte forma: 1) resumirei brevemente os termos da distinção entre sentido e referência em Frege; 2) mostrarei o uso mcdowelliano desse par conceitual e a concepção da relação entre pensamento e mundo que resulta dessa interpretação; 3) mostrarei o uso brandomiano desse par conceitual e a concepção da relação entre pensamento e mundo que resulta dessa interpretação; 4) procurarei operar algumas breves considerações em torno da plausibilidade de uma análise da noção hegeliana de pensamento a partir do pano de fundo oferecido pela análise desenvolvida nas seções anteriores.
Gonzalo Tinajeros Arce
Sobre las pruebas lógica y fenomenológica de la existencia de Dios: Hegel en dialogo especulativo con San Anselmo.
El presente trabajo tiene el objetivo fundamental de mostrar las conexiones filosóficas del pensamiento especulativo de Hegel con el pensamiento especulativo de San Anselmo en referencia a las pruebas de la existencia de Dios. Hegel a lo largo de su pensamiento como veremos en este artículo, reconoce la influencia crucial que tuvo para su filosofía de la religión las pruebas de la existencia de Dios, elaboradas por San Anselmo en sus obras: Monologium. De Divinitatis essentia, y, Proslogium. Cabe resaltar en esta introducción sin embargo, que las meditaciones y las reflexiones intelectuales sobre la existencia de Dios de San Anselmo presentarán para Hegel limitaciones conceptuales del pensamiento racional especulativo sobre la existencia de Dios, ya que ellas no desean ni pueden explicar con la debida profundidad racional lo que es el Ser de Dios y su Esencia Divina. Por este motivo, Hegel desarrollará sistemáticamente dentro de un abordaje metafísico en su Ciencia de la Lógica, y en un abordaje experiencial de la conciencia filosófica en su Fenomenología del Espíritu, la superación y elevación del lenguaje racional filosófico por encima de las barreras o límites representacionales del lenguaje religioso. Éste último aferrado a demostrar mediante el empleo del conocimiento intelectual y del místico las pruebas de la existencia de Dios, pero que no se atreve ir más allá en su reflexión racional para poder demostrar lógica y fenomenológicamente lo que es verdaderamente el Ser de Dios, su Esencia Divina y su Existencia.
Greice Ane Barbieri
O poder contra a violência na política hegeliana: uma questão de força a partir da Ciência da Lógica.
A questão do exercício do poder e do governo, em Hegel, parece estar vinculada aos primórdios da consciência, quando da exposição da dialética do senhor e do servo dentro da “Fenomenologia do Espírito”. Lá, encontramos um confronto entre duas consciências que se enfrentam, primeiramente, pela violência, movidas pelo seu desejo de posse. Tal confronto somente poderá ser resolvido por meio do reconhecimento de que o outro não é um objeto, e sim uma subjetividade livre. Assim, para Hegel, o primeiro passo para a instauração da esfera política é o mútuo reconhecimento. Havendo reconhecimento, os sujeitos estariam numa relação política. Entretanto, como ocorre o exercício de poder por meio do reconhecimento? Como ele se diferencia da violência? Como sabemos, Hegel não é um contratualista no que se refere à fundação do Estado e também não admite a violência como método de ação política. Sendo assim, a ação política será aquela em que quem obedece reconhece que quem comanda está habilitado, em princípio, a comandar e, ao mesmo tempo, o comando legítimo será exercido se quem comanda reconhece que quem é comandado o autorizou a isso por meio do seu consentimento. Somente por meio desse pequeno resumo, do que funda a esfera do político, em Hegel, podemos notar que categorias como o algo (Etwas) e o outro (Anderes), a questão do limite (Grenze), do obstáculo (Schranke) e da relação (Verhältnis) se comunicam, e um olhar mais atento irá nos remeter diretamente para a “Ciência da Lógica”. Além disso, cabe atentar para o fato de que as categorias de Macht e Gewalt, centrais para a discussão acerca das ligações entre poder, força e violência, também são tratadas na “Ciência da Lógica”. Assim, essas relações que aparentam serem apenas políticas possuem suas raízes bem firmes dentro da “Ciência da Lógica”. É lá que Hegel esclarece quais são os engendramentos e as determinações que regem o poder, a violência e a força. Desse modo, o trabalho visará apresentar os fundamentos das relações políticas e estabelecer as afinidades e as disparidades entre Macht e Gewalt a partir do seu fundamento ontológico.
Guilherme Ferreira
Lógica poética e poetização das artes na estética de Hegel.
A comunicação proposta tem como objetivo apresentar, em termos lógicos e históricos, a influência da filosofia da poesia, tal como descrita na estética de Hegel, para a compreensão do caráter poético (épico, lírico e dramático) expresso pelo fenômeno artístico contemporâneo. A partir disso, a hipótese proposta por este trabalho tem por finalidade demonstrar que a arte contemporânea é uma expressão genuinamente poética, seja em termos épicos, líricos ou dramáticos. Apesar de a cultura contemporânea ser marcada pela reflexão, não é a atividade filosófica, em sentido puro, que melhor expõe os caminhos para a produção, a fruição e a crítica da arte, mas a forma poética, tal como pensada por Hegel em sua estética. A rica erudição estética de Hegel sobre a influência da arte no contexto histórico-social de sua época permite-nos identificar um erro lógico-histórico crescente na estética contemporânea, qual seja, a diluição da Forma artista na Forma pura do pensamento, da crítica. Desde a Introdução aos Cursos de Estética, Hegel sempre fez questão de sinalizar sobre a crescente tendência, desde a sua época, de nos relacionarmos com a arte por outros meios que não o modo (religioso) como a época clássica antiga ou a época da alta idade média, uma vez que o conceito de arte e sua cientificidade, na época moderna, passaram a ganhar cada vez mais relevância em função do processo de secularização do mundo romântico moderno. Entretanto, é preciso relegar à arte, diante da prosa e reflexividade do mundo moderno e contemporâneo, a sua especificidade, em termos de produção, fruição e crítica, pois, diferentemente da atividade filosófica, sua Forma de saber expõe da melhor maneira o caminho e as entrelinhas da singularidade para a universalidade e nos dá a esperança e utopia de que este caminho é real e possível. Sendo assim, a hipótese do nosso trabalho consiste em demonstrar que a filosofia da poesia, segundo a estética hegeliana, ainda se conserva como o melhor caminho para a reflexão estética contemporânea.
Hélio Ázara de Oliveira
A dialética marxiana em face da dialética hegeliana: usos por Marx de operadores da lógica em O capital.
Parte significativa da produção acadêmica que se debruça sobre as relações entre Hegel e Marx ainda o faz de modo exterior ao problema ou aos textos que remetem ao problema, como se a questão ainda fosse a de decidir se Marx foi ou não foi hegeliano. Passando ao longo dessa discussão quimérica, nosso trabalho procurará mostrar, a partir dos textos de O capital, certos “usos” de operadores da Lógica hegeliana na própria construção do conceito de Capital de Marx. Veremos como o uso da “dialética da finitude” serve de fio condutor para o conceito de Capital. O próprio Hegel, em Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, utiliza os operadores Limite e Barreira para determinar a subjetividade moderna. Nesse sentido, veremos em que consiste, de acordo com Marx, a subjetividade do Capital.
Inácio Helfer
Contradição e liberdade na lógica hegeliana.
A identidade e seu oposto são conceitos que se expressam como contraditórios em Hegel. Nesse sentido, a identidade da essência somente é livre como universalidade relacional, de tal modo que a identidade é coextensiva à diferença. Ou seja, a identidade se faz pela diferença, e a diferença se afirma pela identidade. O artigo visa pensar esta estrutura da Lógica da Essência através do percurso do procedimento essencial de que o sujeito somente consegue avançar em direção a um grau mais efetivo de sua identidade reflexiva por intermédio da relacionalidade essencial com a diferença. Negar esse pressuposto significaria titubear no labirinto da afirmação de um sujeito estático. Fora da relacionalidade essencial, o sujeito seria abstrato e, efetivamente, sem identidade, não livre. O estudo conclui que Hegel visa mesmo é mostrar a insuficiência do argumento que tenta sustentar a suficiência de uma categoria considerada em si mesma e em seu isolamento. O isolamento monádico das categorias revelaria a imprecisão da possibilidade de sua sustentação.
Janaína Silveira Mafra
De Xenofonte a Kojève — de Kojève a Hegel.
Apoiando-se em sua própria leitura de Hegel, Alexandre Kojève, em “Tirania e Sabedoria”, trata dos problemas levantados por Leo Strauss em sua interpretação do Hiero, de Xenofonte. A ideia central do seu ensaio crítico é a seguinte: estabelecido que o desejo de reconhecimento deve nortear tanto a ação política quanto a vida filosófica (que não pode entrincheirar-se em uma camarilha de correligionários), o governante e o filósofo terão a chance de satisfazer tal desejo se, mediante uma colaboração mútua, trabalharem pelo Estado universal política e socialmente homogêneo. A fim de justificar essa ideia, A. Kojève argumenta que a “dialética do Senhor e do Escravo” ensina que o desejo de reconhecimento não é satisfeito se uma das partes é subjugada, pois o reconhecimento do Senhor pelo Escravo — na medida em que é outorgado por alguém que, por medo da morte, põe a sua sobrevivência acima de sua liberdade — é, aos olhos daquele, sem valor. Uma vez que A. Kojève reconhece, em uma carta enviada a Tran-Duc-Thao (7 de outubro de 1948), que sua interpretação de Hegel não tem o caráter de um estudo histórico, o propósito desta comunicação é o de confrontar a apropriação ideológica que ele, no supracitado ensaio crítico, faz desta figura particular da Fenomenologia do Espírito, a dita “dialética do Senhor e do Escravo”, com a seção “Alexandre Kojève, I - Reconhecimento e alteridade”, presente em De Kojève a Hegel – 150 anos de pensamento hegeliano na França, de Gwendoline Jarczyk e Pierre-Jean Labarrière.
Jean-François Kervégan
«Was wirklich ist, kann wirken». Réflexions sur le statut logique de l'effectivité.
On connaît l’argument par lesquels, dans la 2e édition de l’Encyclopédie, Hegel a réfuté les critiques adressées à la célèbre formule des Grundlinien « Was vernünftig ist, das ist wirklich ; und was wirklich ist, das ist vernünftig » : elles reposeraient sur une incompréhension de la signification spécifique qu’il confère au mot ‘Wirklichkeit’. Mais cet argument a lui-même donné prise à la forte objection de Rudolf Haym : en ce cas, la formule de la Préface est soit une tautologie, soit une contradiction. Il faut donc reprendre les choses de plus près, afin de déterminer ce qu’engage, conceptuellement, l’analyse hégélienne de la Wirklichkeit. Dans la Logique aussi bien que dans ses cours sur Aristote, Hegel insiste sur las signification active de la Wirklichkeit (« was wirklich ist, kann wirken ») et sur ce qui rattache ce concept à l’energeia aristotélicienne. En suivant cette voie, on aboutit à l’idée que le concept de Wirklichkeit participe d’une ontologie de l’activité qui cherche à éviter les pièges du dualisme en récusant les couples à l’aide desquels on cherche classiquement à la penser : intérieur/extérieur, surface/profondeur, être/raison d’être...
João Alberto Wohlfart
Método dialético, metafísica e religião em Hegel.
O artigo trata da concepção hegeliana de método exposta pelo filósofo no final da Ciência da Lógica. A Ideia fecha o círculo da Lógica, pois, ali, convergem os movimentos e estruturas expostas ao longo de toda a obra, tais como a subjetividade do conceito e a objetividade do quimismo e do mecanismo, e abre o caminho para as esferas da Natureza e do Espírito. A noção hegeliana de método não caracteriza uma forma externa aplicada ao conteúdo, nem uma explicação do real a partir de um arcabouço puramente racional, mas trata do processo de autodeterminação do próprio real. Quanto mais amplo o desdobramento em objetividade e em esferas reais, como objetividade da subjetividade, mais profunda será a reflexividade, na condição de subjetividade da objetividade. A significação mais profunda da Lógica não é a restrição ao campo da idealidade e da logicidade, mas ela expressa a sua força no dinamismo de contradição nas instâncias reais da Natureza e do Espírito. A passagem para a Filosofia da Natureza e para a Filosofia do Espírito caracteriza uma ampliação da Lógica num dinamismo de complexificação e de universalização do próprio real. No universo da Natureza, há uma racionalidade filosoficamente captada como uma Filosofia da Natureza, numa reciprocidade entre Lógica e Natureza. Mas é na esfera da Filosofia do Espírito que a noção hegeliana de método alcança a sua plena expressão, pois, no movimento sistemático que a engendra, é introduzida uma lógica da liberdade como autodeterminação e automanifestação. Na passagem da Lógica para a Natureza e para o Espírito, não há uma aplicação de uma lógica predeterminada, mas o Espírito expõe o seu próprio dinamismo, que ultrapassa as estruturas racionais anteriores. O Espírito manifesta as suas próprias determinações imanentes e as produz na medida de sua automanifestação. A Filosofia da Religião completa o processo metódico de fundamentação lógico-metafísico, na medida em que estabelece uma nova configuração para o sistema filosófico na condição de uma manifestação infinita. O aparecer do Espírito, no final do sistema, o transforma em começo, em fim e em mediação universal.
Joãosinho Beckenkamp
A transformação da metafísica em lógica no idealismo alemão.
Nos primórdios da filosofia grega, quando ainda não se tinha nome para o que hoje chamamos lógica e metafísica, em remotos tempos pré-socráticos, portanto, pensamento, linguagem e ser eram ponderados em unidade. A separação da lógica e da metafísica, juntamente com a invenção de um termo para essas disciplinas, ocorre apenas tardiamente na antiguidade. De Platão aos estoicos e além, assiste-se a uma progressiva abstração e formalização das regras lógicas, tendo como contrapartida a fixação dos conteúdos metafísicos em construções cada vez mais dogmáticas. A antiguidade tardia legou ao medievo a compartimentagem das disciplinas, apenas aprofundada com o renascimento da autêntica reflexão filosófica no que se convencionou chamar de era moderna. Do Quinhentos ao Setecentos, proliferam os manuais de lógica, por um lado, e os de metafísica, por outro, consagrando a separação das duas disciplinas. Assim, causa surpresa que a filosofia transcendental kantiana se anuncie como lógica transcendental, visto que a Crítica da Razão Pura é essencialmente um tratado de metafísica ou seu substitutivo crítico. Esse ato inaugural da moderna refundição de lógica e metafísica ficou, entretanto, sem o devido desdobramento, até Hegel adotá-la como seu programa fundamental, a partir de 1801. O processo de transformação da metafísica em lógica, que Hegel entende ter começado com Kant, merece uma investigação detalhada, para a qual se pretende apenas fornecer algumas balizas.
José Aldo Camurça de Araújo Neto
A efetivação da metafísica na filosofia hegeliana: essa pretensão é possível?
Na tradição aristotélica, a metafísica — como a física e a matemática — é entendida como uma ciência teórica, livre de contexto e dirigida para o ideal do conhecimento completo. Hegel, com isso, explicita seu conceito de metafísica. Mas de que forma? Mostrando as contradições de Kant e Fichte no que tange à tentativa destes de efetivarem uma metafisica a nível abstrativo, ou seja, sem mediações especulativas. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é mostrar o percurso hegeliano para a efetivação de um novo modelo de metafísica. Em outras palavras, o trabalho seguirá o seguinte percurso: 1) mostrar o argumento de alguns filósofos sobre o tema, 2) analisar as teses principais de Hegel acerca da metafísica e 3) dialogar a metafísica hegeliana com os autores contemporâneos. Com isso, perceber-se-á que a tradição filosófica, inclusive Hegel, almeja a efetivação dos elementos da metafísica nos respectivos sistemas filosóficos. Ao reconhecer a facticidade da contradição, a filosofia analítica do racionalismo e empirismo clássico transforma-se na filosofia sintética do idealismo especulativo. Enquanto filosofia sintética, a metafísica se consuma e, ao mesmo tempo, revela sua inadequação enquanto doutrina do ser e da verdade. Pois é possível mostrar (por exemplo, com M. Heidegger, P.F. Strawson e G. Evans) que o ser e a verdade, eles mesmos, estão ligados a contextos e essencialmente vinculados com perspectivas mundanas e finitas. Portanto, além da metafísica, há espaço para um pensamento que esteja ligado a contextos, que não esteja mais dirigido para o ideal do conhecimento completo e que não seja mais teórico no sentido aristotélico, no entanto, sendo argumentativo e, consequentemente, científico, o qual poderia ser descrito como filosofia hermenêutica.
José Eduardo Marques Baioni
O conceito hegeliano de absoluto: entre fenomenologia e lógica.
O objetivo do presente texto é investigar como é concebido e exposto o conceito de absoluto por Hegel em duas de suas obras principais. A hipótese de trabalho é que há uma ampliação e uma ressignificação do emprego desse conceito, primeiramente em um âmbito fenomenológico, exposto inicialmente na “Introdução” da Fenomenologia do Espírito (1807) e desenvolvido nas figuras da consciência até alcançar a autoconsciência e a razão e nas experiências expostas nessa obra até o “Saber absoluto”, para um emprego lógico sistemático no interior da Ciência da Lógica da Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1830), em cuja exposição das categorias lógicas no âmbito do pensamento puro se torna necessário antecipar que todas as determinações lógicas podem ser consideradas “definições do absoluto”.
José Pinheiro Pertille
A lógica do reconhecimento e o reconhecimento da lógica: de Honneth a Hegel.
Os propósitos deste trabalho são: inicialmente, (1) apresentar a leitura de Axel Honneth da filosofia social hegeliana no contexto das recentes interpretações que instituem o assim chamado Hegel não metafísico. Nesse âmbito, configuram-se dois diferentes modos de leitura dos textos hegelianos: parcial, ou in media res, praticado pelas novas abordagens, e sistemático, ou ab initio, de acordo com os princípios gerais do sistema de Hegel. Em seguida, (2) tratar dos conceitos de reconhecimento e eticidade, centrais para as pretensões hermenêuticas de Honneth, à luz dos princípios de presentificação e atualização da doutrina hegeliana. Nesse contexto, examinam-se os dois principais diagnósticos em relação ao uso hegeliano do conceito de reconhecimento presente na Fenomenologia do Espírito: seu déficit histórico-social e seu superávit metafísico. Finalmente, (3) verificar em que sentido o processo do reconhecimento implica um movimento lógico-metafísico, o qual pode ser compreendido tanto em seu aspecto substancial quanto processual, no sentido forte de um logos enquanto discurso instaurador do sentido do ser. Permitiria esse movimento retomar as pretensões metafísicas especificamente hegelianas, sem, necessariamente, com isso, representar um retrocesso em relação aos padrões contemporâneos de racionalidade?
Júlia Sebba Ramalho Morais
O conceito hegeliano de espírito na Lógica e na Filosofia do Real: paralelismos e descontinuidades.
O presente trabalho pretende abordar o conceito de espírito na filosofia hegeliana sob a perspectiva da Ciência da Lógica, procurando abordar até que ponto podemos encontrar uma continuidade sistemática de tal conceito na Filosofia do Espírito da Enciclopédia. Na Introdução da “Doutrina do Conceito”, Hegel aborda a temática do eu, e afirma que o sujeito deve ser entendido como a pura identidade consigo mesmo, que contém, em si, subjetividade e objetividade. Tal identidade — conforme afirma — abarca o movimento constituinte das determinações de universalidade, particularidade e singularidade. Hegel analisa essa temática, se atendo tanto à perspectiva kantiana sobre o eu quanto à consideração da Metafísica Moderna sobre a alma. No entanto, afirma que o conceito de espírito deve ser melhor compreendido em sua significação real, como alma, consciência, pensamento e vontade — temas próprios da “Antropologia”, “Fenomenologia” e “Psicologia” da Filosofia do Espírito. No entanto, podemos ponderar: até que ponto tais termos podem ser lidos à luz da abordagem hegeliana da “Doutrina do Conceito”? Em que medida o conceito hegeliano de alma pode ter um similar conceitual na tessitura da Lógica de Hegel? Ou melhor: há paralelos para os três momentos do conceito de espírito (alma, consciência e espírito propriamente dito) na Ciência da Lógica? Essas questões nos remetem à temática mais geral da relação entre Lógica e Filosofia do Real, de seus possíveis paralelos, da possível aplicação dos conceitos lógicos ao terreno do real e se há uma descontinuidade entre a perspectiva lógica e a perspectiva real no sistema hegeliano. No presente trabalho, portanto, abordarei essa temática, procurando responder tais questões.
Leonardo Alves Vieira
Negatividade em Nāgārjuna e Hegel: incursões exploratórias.
Minha intenção consiste em construir um diálogo entre Nāgārjuna e Hegel, tomando como fio condutor a ideia de negatividade, pois, sem esta, não é levado a cabo aquilo que ambos querem realizar. Trata-se de identificar o papel da negatividade nos textos Versos Fundamentais sobre o Caminho do Meio (mūla-madhyamaka-kārikā, MMK), de Nāgārjuna, e Fenomenologia do Espírito (Phänomenologie des Geistes, PhG), de Hegel. Defendo a tese segundo a qual a negatividade defendida pelo filósofo budista indiano ocupa uma posição intermediária entre a negatividade como puro nada (das reine Nichts) e a negatividade como negação determinada (die bestimmte Negation) expostas pelo filósofo alemão. O resultado dessa diferença se expressa no fato de que a negação, na Fenomenologia do Espírito, leva a efeito uma constante negação do saber e da verdade, que, por sua vez, culmina em uma forma de saber plenamente consciente de seu processo de constituição, ao passo que a negação proposta por Nāgārjuna propõe uma constante negação de pontos de vista ou teorias (dṛṣṭi), cujo termo final viabiliza o trânsito da verdade convencional (saṃvṛti-satya) para a verdade suprema (paramārtha-satya). Além disso, afirmo que a negatividade empregada por Nāgārjuna não levanta a pretensão de ser uma asserção sobre a constituição do real como tal (tattva), ao passo que a negatividade, tal como compreendida por Hegel, pretende expressar o modo próprio de atuação do Absoluto (das Absolute). Para tanto — e sem investigar o tema em toda sua amplitude nesses dois autores, já que se trata de um estudo introdutório —, pretendo lançar mão da negação implicativa (prasajya-pratiṣedha) e tetralema (catuḥ-koṭi), em Nāgārjuna, e dos quatro tipos de ceticismo (Skeptizismus) que Hegel analisa na introdução à Fenomenologia do Espírito.
Luca Illetterati
Ontologia ed epistemologia nel pensiero di Hegel: La semantica dell’oggettività nella Scienza della Logica.
In questo mio contributo intendo soffermarmi sul significato che assume in Hegel la nozione di oggettività in relazione alla logica; ovvero, detto più esplicitamente ancora, che tipo di oggettività sia quella che Hegel attribuisce al pensiero. La tesi che vorrei sostenere è che si può comprendere la nozione hegeliana di oggettività del pensiero solo se si comprende il nesso secondo Hegel inscindibile fra dimensione epistemologica e dimensione ontologica, ovvero se si mette a tema la critica radicale che Hegel muove alla divaricazione tutta moderna fra dimensione epistemologica (ovvero il discorso relativo alle forme attraverso cui noi cerchiamo di conoscere l’essere, la realtà) e dimensione ontologica (ovvero il discorso intorno all’essere, intorno a ciò che c’è, il discorso relativo alle strutture di fondo entro cui si articola la realtà nella sua complessità). Cercherò dunque di mostrare in che senso la nozione hegeliana di oggettività non possa essere intesa né in termini classicamente epistemologici (come cioè qualcosa che si addice esclusivamente alla sfera gnoseologica) né in termini puramente ontologici (come cioè una proprietà riferibile esclusivamente all’essere, ai fatti, agli stati cose).
Lucas Piccinin Lazzaretti
Do conceito à existência efetiva: a reestruturação kierkegaardiana das categorias modais hegelianas.
Parte do legado pós-idealístico hegeliano se efetiva pela recepção do projeto lógico-conceitual intentado pelo filósofo alemão já na publicação de Fenomenologia do Espírito, mas sobretudo com a Ciência da Lógica. A pretensão hegeliana de, através da Lógica, apresentar categorias e encadeamentos que viessem a dar conta da realidade de forma conceitual ou, melhor dizendo, de forma a apresentar o desenvolvimento do conceito, não foi recepcionada sem críticas. Sören Kierkegaard, profundamente atento para a tendência conceitual com que a lógica hegeliana direcionava-se para a realidade, utilizou-se de boa parte da estrutura categorial do mestre alemão para desenvolver considerações opostas, ainda que debitárias a Hegel. Tendo um primeiro trajeto próximo da filosofia hegeliana, sobretudo com a tese de doutoramento sobre a ironia, Kierkegaard inicia uma contemplação sobre o fenômeno da existência humana que o leva a considerar três categorias essenciais para a Lógica hegeliana: realidade (Wirklichkeit/Virkelighed), possibilidade (Möglichkeit/Mulihed) e necessidade (Notwendigkeit/Nødvendligheden). Em Doença para a morte, Kierkegaard, em evidente direcionamento a Hegel, afirma que “os filósofos estão equivocados quando explicam a necessidade como uma unidade de possibilidade e realidade — não, a realidade é a unidade de possibilidade e necessidade”. O presente trabalho busca apresentar o desenvolvimento dessas considerações kierkegaardianas em torno das categorias lógicas hegelianas, visando demonstrar como o filósofo dinamarquês, por meio de suas principais obras (Conceito de angústia, Migalhas Filosóficas, Post-scriptum e Doença para a morte), identifica o problema da imanência lógico- conceitual da estrutura do pensamento hegeliano e, então, esforça-se para desenvolver uma reestruturação das categorias modais, de forma que estas possam servir à análise da existência efetiva.
Maglaine Priscila Zoz
Silogismo hegeliano: um elemento ontológico ou normativo do sistema da Ciência da Lógica?
O silogismo, em Hegel, é, por vezes, tomado apenas no seu âmbito mesoestrutural, ou seja, apenas na Lógica do Conceito, em que temos a sua demonstração como o ponto de convergência do conceito e do juízo, assim como, de modo geral, da lógica subjetiva com a lógica objetiva. Contudo, podemos destacar também a sua função microestrutural no decorrer de toda a Ciência da Lógica. Do ponto de vista estrutural, a lógica hegeliana prima por ser um método no qual é demonstrado, desdobrado, que toda pressuposição tem de ser processualmente transformada, até revelar, em si, todos os seus condicionamentos. Nesses termos, se caracteriza o método dialético- especulativo: por meio do desdobramento do pensamento puro, pode-se entender de que modo a adequada passagem pela metafísica transcendental e pela Lógica formal conduz a uma “ciência da lógica”, como ciência do pensamento puro. Para a marca principal desse método, Hegel anteviu algo como uma habilidade própria da razão filosófica, que se evidenciará pela sua maneira plástica imanente com o desenvolvimento do pensamento, que necessita se expandir como um todo orgânico, e essa possibilidade é dada pelo logos, que é indissociável da “ciência da lógica”. Partir do logos é partir do substrato racional, que é puro, é pensar a partir do seu ser-incondicionado. Esse logos é o silogismo, pois, segundo Hegel, “[...] o silogismo é o racional e todo o racional” (§181). O que temos, aqui, é uma unidade do racional, em que o silogismo é a verdade de uma concepção monista, ou seja, temos o silogismo como princípio fundante (o todo que precede as partes), e a sua alternativa é uma alternativa absoluta (não é qualquer totalidade, é uma totalidade absoluta). Contudo, conforme Perinetti (2009), uma ressalva poderia ainda ser feita: que a ideia de unidade, entendida como método não conduz a um monismo ontológico, mas a um monismo normativo. Mas será que tomar o silogismo como normativo não o levaria a uma lógica formal, tirando a plasticidade do silogismo hegeliano e o fixando como o era na lógica aristotélica?
Maicon Gilvan Lima Campos
Aproximações da metafísica de Hegel na renovação crítica da Geografia (1970-1980).
A proposta deste artigo é apresentar a forma como a ciência geográfica, em seu contexto de renovação crítica, estabeleceu contato com o pensamento de Hegel nas décadas de 1970 e 1980. Mesmo que não tenha sido o objeto privilegiado de análise da Geografia produzida neste contexto histórico, é possível encontrar uma série de aproximações com especulações geográficas contidas no sistema de Hegel. Dessa forma, procura-se apresentar uma amostra das publicações direcionadas à Geografia que se aproximaram do pensamento hegeliano, com ênfase às críticas direcionadas à metafísica de Hegel. Para tanto, são analisadas passagens das obras: Marxismo e Geografia, de Massimo Quaini (1974), Hegel e a Geografia, de François Châtelet (1976), Por uma Geografia Nova, de Milton Santos (1978), O ajuste espacial: Hegel, Von Thünen e Marx, de David Harvey (1981), e Geografias Pós-Modernas: a reafirmação do espaço na teoria social crítica, de Edward Soja (1989). A análise dessas obras em conjunto permitirá estabelecer, ao menos, três proposições sobre a relação entre a Geografia e o sistema de Hegel: (a) o objeto privilegiado de análise é a abordagem filosófica da história de Hegel, especialmente a obra elaborada através das Lições sobre a Filosofia da História Universal, com ênfase no capítulo Fundamento geográfico da história universal, assim como algumas referências à obra Princípios da Filosofia do Direito; (b) não há aproximações com a abordagem filosófica da natureza de Hegel; (c) há críticas à concepção metafísica e à imagem de mundo elaboradas por Hegel, em sua análise sobre o processo de desenvolvimento da história universal. Nessa perspectiva, problematiza-se a validade dessas proposições a partir de argumentos levantados pelo próprio Hegel e por demais pesquisadores do tema, de modo a indicar possíveis inconsistências e possibilidades epistêmicas de análise sobre a relação entre a Geografia e o sistema de Hegel.
Manuel Moreira da Silva
O Projeto hegeliano de unificação da Lógica e da Metafísica, legitimidade e deslegitimação epistêmicas.
Trata-se de uma tentativa de verificação do projeto hegeliano de unificação da Lógica e da Metafísica, a rigor, de sua legitimidade e de sua deslegitimação epistêmicas. Parte-se do enquadramento histórico-sistemático do autor no assim chamado “segundo início da metafísica”, bem como da identificação deste e, portanto, de seu enquadramento teórico-filosófico no horizonte do ser objetivo, da determinação formal do ente, em cujo quadro a Metafísica se mostra enquanto ciência transcendental. Desse duplo ponto de partida emerge a compreensão adequada do projeto hegeliano, enquanto este se impõe como tarefa o estabelecimento de um novo procedimento para a Ciência e, então, um novo início da Metafísica. De um ponto de vista, paradoxalmente, o projeto hegeliano se mostra legítimo somente enquanto se desenvolve no interior do “segundo início da metafísica”, quando se impõe a tarefa de uma determinação formal do ente (ens) no quadro de uma doutrina do ser (Sein) e de uma doutrina da essência (Wesen), nas quais o ser e a essência se mostram como determinações-de-pensamento (Denkbestimmungen) que o ente em geral (ens überhaupt) compreende dentro de si. De outro ponto de vista, porém, tal projeto se mostra — ao contrário — deslegitimado, quando, em sua pretensão de um idealismo absoluto da subjetividade, de uma doutrina do conceito (Begriff), da autoconsciência e da efetividade do espírito, termina por sair do horizonte daquela determinação. Não obstante, passados mais de dois séculos de sua primeira elaboração (1812-1813), e tal como a doutrina excedente do “ser subjetivo” exposta na Lógica subjetiva (1816), também a doutrina hegeliana do “ser objetivo” da Lógica objetiva se mostra, agora, numa época que se quer pós-metafísica, mas que é apenas pós-moderna, completamente deslegitimada. Em que consiste essa dupla deslegitimação e em que medida ela pode ser benéfica ao pensamento especulativo, que, em Hegel, se exprime pela primeira vez em seu elemento puro, mas não ainda como o próprio especulativo puro? Eis o que se pretende considerar.
Marcelo Lucas Cesco
O Absoluto no seu vir-a-ser
O presente artigo busca demonstrar como Hegel determina um de seus conceitos-chave na Ciência da Lógica (1812-1816), a saber, o vir-a-ser. Para isso, tomar-se-á como objeto de estudo a primeira seção do primeiro livro da lógica objetiva. A essa primeira seção, Hegel, dá o nome de Determinidade (qualidade), em que o primeiro capítulo é um estudo do Ser, do Nada e do Vir-a-ser. O Ser “é o puro ser, sem nenhuma indeterminação ulterior”. É o absoluto, enquanto tal, que pode ser entendido como o conceito de Deus (judaico/cristão), contudo, o conceito de Deus, aqui, não pode ser tomado como objeto de fé, de crença como é no caso da pesquisa teológica. Para Hegel, o Ser é um conceito que pode ser definido pelo conhecimento filosófico. Essa diferença de abordagem implica necessariamente um questionamento inicial que pode ser expresso nos seguintes termos: como atribuir essência a um ser imaterial? Como determinar um ser puro sem predicados de crença?
Márcia Cristina Ferreira Gonçalves
Tempo poético e tempo prosaico: Uma oposição dialética da Estética de Hegel.
O objetivo de minha conferência é demonstrar que, na Filosofia da Arte de Hegel, existem duas dimensões e percepções opostas do tempo. A primeira dimensão pertence à esfera da vida cotidiana alienada, e pode ser deduzida do conceito hegeliano de “prosa do mundo”. Com base neste conceito, chamarei essa primeira dimensão de tempo prosaico. O tempo prosaico é um tempo finito e alienado, porque ele é perdido na infinita contradição entre a busca egoísta do indivíduo de realizar seus interesses privados e sua inevitável dependência em relação à totalidade fragmentada de um sistema de produção fundado na divisão do trabalho. A segunda dimensão do tempo é libertadora e livre, e só pode ser percebida pelo indivíduo unificado com o todo social. Ao contrário do tempo prosaico, essa segunda dimensão do tempo surge a partir da criação e da intuição artísticas. Esse tempo pode ser deduzido do conceito hegeliano de “esfera da beleza”. Baseada em sua oposição com tempo prosaico, chamarei essa dimensão livre do tempo de tempo poético. O tempo poético é o tempo espiritual e histórico, o tempo produtivo da cultura, o tempo criativo da arte.
Márcia Zebina Araújo da Silva
Ontologia e Subjetividade em Hegel.
Neste trabalho, partiremos das observações de Hegel ao final da introdução da Ciência da Lógica, de que a lógica objetiva — que compreende a Doutrina do Ser e a Doutrina da Essência — toma o lugar da antiga metafísica e substitui diretamente a ontologia e a lógica subjetiva — que compreende a Doutrina do Conceito — constituindo-se em uma lógica propriamente dita. Partindo dessa divisão da obra, entre uma lógica objetiva (ontologia) e uma lógica subjetiva (lógica), buscaremos apontar alguns elementos para a compreensão da lógica como ontologia e sua verdadeira crítica e delinear alguns aspectos da relação entre ontologia e subjetividade no âmbito da própria lógica.
Marcos Fábio Alexandre Nicolau
A Religião como consciência do Absoluto.
Durante um longo tempo na história do Ocidente, a religião forneceu o alicerce para questões de ordem metafísica e morais. Somente com o advento da modernidade um novo quadro foi proposto, e a religião foi, aos poucos, perdendo seu status de base reguladora e de validação. A identidade mundo-moral-religião não fora mais considerada “natural”, e o papel da religião entrara em profundo questionamento, o que reporta-nos à figura de G. W. F. Hegel, que ministra, enquanto professor, em Berlim, uma sequência de lições sobre a filosofia da religião, tomadas, aqui, como literatura principal do estudo. No entanto, não foram raras as vezes que Hegel analisou o conceito de religião, pois esse é um tema que lhe preocupa desde os tempos do Seminário de Tübingem — o que pode ser confirmado na leitura de seus Theologische Jungendschriften. Na Europa dos séculos XVIII e XIX, as discussões sobre o tema da religião, em grande parte, estavam ligadas a esferas relacionadas à teologia cristã, que se encarregava de fazer de Deus um fantasma infinito, cujo entendimento era inalcançável à consciência humana em sua finitude. Por sua vez, Hegel tematiza a religião como algo que vai além da esfera institucional (a Igreja), e que está intrinsecamente ligado à esfera do humano, abrindo inúmeras possibilidades de interpretação à experiência religiosa. Em sua Phenomenologie des Geist, encontramos o devir da consciência em seu caminho rumo ao saber absoluto (autoconsciência). Nessa obra, a religião é uma das seis fases do caminho a ser trilhado pela consciência em sua formação, sendo um campo em que se manifesta a unidade entre a finitude e a infinitude, ambas categorias constituintes do real. Cabe-nos aprofundar essas discussões e determinar qual o lugar da religião no sistema do real, apreendendo as reflexões do filósofo a partir de seus manuscritos de aula e do testemunho de seus alunos ao compilar suas Vorlesungen über die Philosophie der Religion.
Marcos L. Müller
A contradição dialética e sua resolução no fundamento.
Propõe-se uma reconstituição sucinta da gênese especulativa do conceito de contradição e da sua resolução no fundamento, empreendida, por Hegel, na lógica da essência. Após uma breve caracterização do conceito dialético-especulativo de contradição, da sua função central e da amplitude que ele adquire na dialética especulativa (1), descreve-se o lugar sistemático dessa gênese que se tece a partir da negatividade autorreferente constitutiva da essência, que se determina nas “determinações da reflexão”: identidade, diferença, diversidade, oposição, contradição e fundamento (2); em seguida, são tematizadas, muito brevemente, as determinações da reflexão da identidade e da diferença, que resultam da autodiferenciação dessa negatividade da essência (“diferença absoluta”) (3), bem como a diversidade e seu correlato, a reflexão exterior enquanto forma derivada e decaída da reflexão essencial (4). Segue-se uma análise da oposição e dos seus momentos lógicos, o positivo e o negativo, e sua estrutura implicitamente contraditória (5). O foco principal está na análise da estrutura especulativa da contradição, cujos opostos, caracterizados como “determinações autônomas da reflexão” se incluem e excluem ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, isto é, enquanto totalidades autônomas para si, as quais, na sua exclusão recíproca, ao mesmo tempo, voltam essa exclusão do outro contra si mesmas, e, assim, se autoexcluem de si. Nessa autoexclusão de si reside a contradição interna dos opostos e a sua contradição entre si. (6) Por fim, aborda-se a resolução da contradição mediante a “suspensão” (Aufhebung) da autonomia das “determinações autônomas da reflexão” na unidade autônoma da essência, que se restabelece na figura do fundamento. (7)
Mário Sérgio da Conceição Oliveira Junior
A Lógica como discurso do absoluto.
No parágrafo 19 do Livro “Enciclopédia das Ciências Filosóficas” de Hegel, lê-se: “A Lógica é a ciência da ideia pura, isto é, a ideia no elemento abstrato do pensar”. A Lógica é o objeto ideal da ciência filosófica do pensamento puro ou abstrato em sua ampla liberdade de leis coercitivas, costumes ilógicos, tratados ditatoriais, imposições e determinações particularidades existenciais não autônomas. A mente humana precisa saber elaborar seu pensamento e suas atitudes, em suas particularidades existenciais, no ponto de vista sempre de apresentação do universal, em nossos atos fomentadores do ideal da razão absoluta na história humana. Segundo Hegel, essa tarefa não é fácil, é dialética, pois pressupõe que a liberdade da matéria humana seja envolvida por causalidades racionais determinadas pelos fatos intermediados por juízos infinitos da liberdade absoluta embrionadora de singularizações absolutizáveis na história. Hegel define a dialética do pensamento livre quando intui a Ideia Lógica como causa inteligível que orienta os fatos, enquanto manifestação autoconsciente, singular e intuitiva dos modelos e ações racionalizáveis geradas do princípio de liberdade absoluta da mente criadora do e no mundo vivido, e não tão somente na conjectura comum do mundo vivido a sempre determinar a atividade humana. Então, cabe ao humano captar ou intuir o elementar nos acontecimentos históricos para desenvolver, em sua liberdade criadora, sua capacidade de pensar na forma pura da verdade gerada da geometria de ideações lógicas a serem efetivadas, racionalmente, em vida.
Marloren Lopes Miranda
O problema da metafísica em Kant e Hegel: duas investigações sobre o incondicionado.
Kant, em sua Crítica da Razão Pura, toma para si a tarefa de colocar a metafísica no “caminho seguro da ciência” (BXVIII). Era preciso, segundo Kant, não apenas seguir o modelo das outras ciências, como a matemática e a física, e alterar o método pelo qual se fazia metafisica, mas, igualmente, questionar a possiblidade da nossa capacidade cognitiva de conhecer os objetos dessa ciência, objetos dados pela razão pura, a saber, Deus, a imortalidade da alma e a liberdade, ou, em outras palavras, as unidades sintéticas incondicionadas de todas as condições em geral. Era preciso elaborar, portanto, uma crítica da razão pura. Para tanto, ele toma por base a revolução que Copérnico havia realizado no campo da astronomia, buscando determinar, primeiramente, não mais a natureza dos objetos da experiência como eles são neles mesmos, mas como nós, enquanto humanos, ou seja, segundo as nossas condições epistêmicas a priori, podemos conhecer esses objetos. Após uma investigação acerca da nossa capacidade cognitiva, da capacidade que temos de conhecer os objetos da experiência antes mesmo de eles serem nos dados, puramente a priori, poder-se-ia, em segundo lugar, investigar se e como os objetos da metafísica seriam por nós conhecidos. Tais objetos, segundo Kant, não poderiam por nós ser conhecidos unicamente através da razão pura, mas poderiam ser tomados como ideias, como princípios reguladores últimos de nossas ações. A legitimidade disso residiria no fato de que a natureza desses objetos não é teórica, mas prática. Hegel, por sua vez, seguindo os passos da revolução kantiana, pretendeu considerar o incondicionado não mais como algo que transcende ao nosso conhecimento e que deveria ser tomado como uma hipótese, mas como algo que é imanente ao conhecimento e que deve ser puramente investigado, a saber, o absoluto. Era preciso redefinir a noção de ciência da perspectiva filosófica e, a partir disso, reformular seu método. O objetivo deste trabalho é, então, investigar como, nestes termos, Hegel reformula o problema do incondicionado e da própria metafísica.
Marly Carvalho Soares
O movimento das coisas finitas como impulso para o infinito na Lógica do Ser.
O presente artigo objetiva investigar, na invenção da nova Lógica Especulativa de Hegel, certa herança da Metafísica e da Lógica no seu legado histórico filosófico, que vai do mais remoto precursor da Lógica formal — Parmênides —, que formulou, pela primeira vez, o princípio de identidade e de não contradição, até a Lógica transcendental kantiana, no seu dualismo — a coisa em si e o fenômeno. Hegel, na esteira dos seus antecessores, retoma os diferentes modos de pensar no seu uso e na significação, e avança, a partir das categorias anteriores, construindo a sua modalidade de pensar, que recusa tal separação, em que a forma não se separa do seu conteúdo, inovando o método dialético especulativo, em que predomina a contradição e o movimento numa perspectiva universal do sistema. Os termos, aparentemente separados, passam uns aos outros, excluindo a sua separação. Trata-se, portanto, de se considerar, com base nessa herança da configuração da nova lógica, duas questões: a problemática do ser, enquanto indeterminação, idêntico ao nada, em que se efetiva apenas uma passagem, e o ser enquanto determinidade, que nega outra determinidade. A solução apresentada por Hegel é acrescentar algo novo que supere a unilateralidade dos termos contidos na sua identidade e diferença como o novo termo, constituindo, assim, uma relação. De tal modo que não podemos parar nas coisas determinadas (finitas), mas tentar avançar no processo que vai do Ser ao Conceito, uma vez que a determinação superou a indeterminação e, portanto, o Ser é a condição de possibilidade e realidade de todas as coisas, processos e eventos. Tal conteúdo será analisado a partir da Lógica objetiva nas suas modalidades de quantidade, qualidade e medida como ponto de partida de todo o processo lógico hegeliano. Daí se conclui que a Lógica do Ser assimilou, ou melhor, incorporou a Metafísica e as Lógicas anteriores, e a dialética, que lhes é imanente, o ser e o nada revelam sua unidade e sua verdade no vir-a-ser. O problema resolvido pela dialética é pensar a contradição e o movimento enquanto estrutura do real, e não apenas aparências, de modo que cada termo passa pelo outro, anulando qualquer separação definitiva.
Nágila de Moura Brandão
A lógica e a dialética hegelianas presentes na “Pedagogia do Oprimido”.
Na justificativa da obra “Pedagogia do Oprimido”, notamos a presença da “Ciência da Lógica” em dois aparatos essenciais para a devida compreensão da obra do educador brasileiro, em seu todo: a lógica e o movimento dialético. No que tange à lógica, que, em Hegel, tem como sua essência a mais pura ideia, que dá a si mesma seus conteúdos, não os recebendo do exterior, como coisas estranhas a ela, Freire demonstra que a educação que parte do antidialógo, da sloganização, da verticalidade, dos comunicados, da domesticação, rompe com a própria lógica, ou seja, impede-se o pensar do espírito sobre sua própria essência. Com isso, ao executarmos uma pedagogia do opressor, que impõe conteúdos alienígenas e processos alheios, na concepção dos conceitos, entramos em um movimento dialético que perpassa a violência, o desamor, o terror, a tirania, o ódio, que negam a humanidade ao oprimido enquanto sujeito capaz de pensar sobre seu pensamento. Assim, ambos, opressor e oprimido, um enquanto nega, e outro que tem negada, perdem sua capacidade de serem mais enquanto seres da natureza imanentes ao absoluto. Nessa relação dialética, o opressor, que não vê no oprimido seu igual, detentor da essência divina, nega a própria lógica, de modo que o absoluto é o fundamento universal de tudo que existe. Do contrário, porém, na mesma circularidade do pensar, na pedagogia do oprimido, os homens “ao se instalarem na quase, senão trágica descoberta do seu pouco saber de si, se fazem problema a eles mesmos”, sendo que as estruturas oferecidas pela lógica, no desvelamento da realidade, são mediadoras, na educação libertadora, entre o oprimido, que subjaz através do processo pedagógico, e o conceito. Ainda na perspectiva da obra de Freire, quando os oprimidos tornam-se conscientes de sua situação e estão empenhados em tornarem-se mais através de sua libertação, no movimento dialético, libertam seus opressores no mesmo processo.
Paulo Roberto Konzen
Os conceitos hegelianos de Lüge (mentira), Täuschung (ilusão ou engano) e Betrug (fraude ou impostura).
O objetivo da presente pesquisa é apresentar e analisar os conceitos hegelianos de mentira (Lüge), ilusão ou engano (Täuschung) e fraude ou impostura (Betrug), essenciais para compreender a Filosofia do Direito ou a Filosofia Política de Hegel. Em resumo, os verbos mentir (lügen) e iludir ou enganar (täuschen - betrügen), em Hegel, são usados com rigor para esclarecer, por exemplo, a questão do suposto “dever [ou obrigação] de dizer a verdade” (Pflicht die Wahrheit zu sagen), segundo Kant. Para isso, basear-me-ei em textos clássicos hegelianos, inclusive a sua Ciência da Lógica, e interpretativos sobre os citados conceitos.
Pedro Geraldo Aparecido Novelli
A lógica da pobreza e as soluções metafísicas na Filosofia do Direito de Hegel.
A questão da pobreza é, para Hegel, das mais importantes que a sociedade moderna pode considerar. Mas onde reside tal importância? Na necessidade de assumir a pobreza como construção da própria sociedade? No temor que a pobreza representa como ameaça aos não pobres? Para Hegel, o pobre é aquele que foi privado das vantagens da sociedade civil burguesa, inclusive com respeito à segurança de sua existência. Se, por um lado, a pobreza se apresenta como resultado da relação do indivíduo com o todo da sociedade, por outro lado, a pobreza também resulta da ação do todo sobre o indivíduo. É importante e até necessário mencionar que, para Hegel, a pobreza tem sua origem ao nível da sociedade civil burguesa, pois aí se dá a diferença que iguala pelo interesse e diferencia pela satisfação do interesse. A sociedade civil burguesa não é uma extensão da família, e a relação entre os sujeitos não é a mesma existente na família. Esta não se encontra isenta do conflito, mas sua resolução não obrigatoriamente isola seus membros, pois o laço afetivo, mesmo que estremecido, permanece pelo menos como reconhecimento da pertença. A sociedade civil burguesa, pelo contrário, preza o sentimento e o afeto se estes contribuem para a realização dos interesses. Que se queira na sociedade civil burguesa a satisfação de todas as necessidades ou que ela seja o espaço da satisfação não se trata mais do que um desejo cuja realização jamais se dará. A igualdade entre seus membros não vai além da troca de mercadorias de igual valor. Por isso, a pobreza é um efeito direto da produção da própria sociedade civil burguesa. O pobre, por não possuir nenhuma identificação com classe alguma, não se constitui em substancialidade alguma. É, no máximo, uma aparição social que não possui nenhuma determinação. Quais representações podem estes ter? Como podem participar sem fazer parte? Em Hegel, não é possível encontrar uma resposta para tais indagações na sociedade civil burguesa, pois esta não supera suas próprias determinações. Suas soluções para a pobreza não se efetivam porque isso significaria ir além de si mesma, de suas abstrações.
Philipe Pimentel
A metafísica do tempo: o ponto e o agora.
A discussão que este trabalho propõe se concentra na Filosofia da Natureza, mais especificadamente nos elementos que são primordiais para a passagem do espaço ao tempo: o ponto e o agora. De acordo com Hegel, a imediata relação entre o espaço e o ponto, assim como o tempo e o agora, não ficariam contidos em sua correspondência direta. Ao se tocarem, um interpenetraria no outro, desse modo, efetivando o espaço através do tempo. Essas considerações gerais e iniciais e, portanto, abstratas no entendimento de Hegel, valem de ressalva para as minúcias que estão inseridas no espaço e no tempo e que têm no ponto e no agora sua articulação. Sendo assim, para que seja possível remontar o pensamento de Hegel sob essa etapa na Natureza, é necessário especular sobre a negatividade do ponto frente ao espaço, assim como sua confluência com a ideia de quantidade na Ciência da Lógica. O limite, a negação: o ponto não causaria nenhuma descontinuidade no espaço por si só; para que haja seu extravasamento e possa, enfim, justificar sua essência será preciso que o tempo apareça. O segundo ser-fora-de-si que carrega como característica a negatividade, o tempo, é este, que, ao negar o espaço, torná-lo-ia verdadeiro pelo ponto. Contudo, o ponto não é mais limite espacial, pois, ao se constituir no tempo, acabou formando o ponto temporal, o agora. É no agora, esse instante momentâneo, que o tempo passa a ser concebido como aquele que é enquanto não é e não é enquanto é. Essa característica do vir-a-ser do tempo repercute no agora, que, como tal, tem as particularidades do ponto como o limite. O agora é, e, por ser aquele limite que unicamente é, forma a dimensão temporal do presente. Igualmente ao espaço, o tempo também é uma forma tridimensional. Suas três dimensões, como bem se sabe, são: O Presente, o Futuro e o Passado. O tempo como tal seguiria essa ordem a partir do desdobramento do agora, como salienta Hegel. Isto é, a passagem do ser ao nada e do nada ao ser constitui-se de momentos necessários para a sua totalidade temporal.
Ramon Bolívar C. Germano
Kierkegaard como crítico [da Lógica] de Hegel?! Uma reconsideração.
O dinamarquês S.A Kierkegaard foi (e ainda é) comumente considerando como um crítico declarado da filosofia de Hegel. Segundo uma leitura que se tornou tradicional, Hegel teria sido direta e contundentemente criticado por Kierkegaard e seus diversos heterônomos. O pesquisador Jon Stewart, em seu importante trabalho, Kierkegaard’s Relation to Hegel Reconsidered, revisou cuidadosamente os termos dessa relação e lhe propôs uma leitura mais sóbria e bem documentada. A partir das contribuições de Stewart, apresentamos uma reconsideração da possível crítica de Kierkegaard a Hegel com o objetivo de afastar alguns mal- entendidos vinculados à questão e propor uma leitura alternativa, que, ainda que leve em conta o caminho aberto por Stewart, tenta dar um passo adiante. Mediante algumas perguntas provocativas — “teria Kierkegaard criticado a lógica de Hegel?”; “teria Hegel desconsiderado a existência” ou “teria Hegel ignorado a ética?” —, mostramos que Kierkegaard não empreende uma crítica filosófica direta a Hegel, ou, mais precisamente, não realiza uma crítica imanente ao sistema hegeliano. Veremos que, sob o ponto de vista lógico, a Lógica de Hegel permanece intacta em relação à crítica existencial de Kierkegaard. Além disso, as acusações de que Hegel introduz ilegitimamente o conceito de realidade efetiva ou de efetividade (Wirklichkeit) na Lógica e de que teria negligenciado a ética precisam ser cuidadosamente revisadas. Veremos que essas críticas, se não forem entendidas em um sentido muito bem determinado, acabam por se tornar descabidas. Finalizamos com a hipótese de que a tensão entre Hegel e Kierkegaard não é meramente filosófica, mas programática, isto é, diz respeito à diferença entre os seus respectivos programas ou projetos de pensamento, de modo que, se Hegel é considerando um filósofo par excellence, Kierkegaard, então, não poderá ser considerado um filósofo sem mais nem menos.
Renata Inarah Guerra Santos
O pensamento objetivo e o sistema da razão pura.
O conceito de ciência pura e a sua dedução são os resultados da exposição da experiência da consciência — a Fenomenologia do Espírito. Esse percurso da consciência produziu o saber absoluto, e nele a oposição da consciência foi suspensa. Nesse processo, quando a autoconsciência reconhece a ilusão da separação entre a certeza de si mesma e o objeto, o conceito de ciência emerge, e essa é a verdade da consciência — saber que pensamento e ser coincidem. Com a suspensão da oposição da consciência, Hegel põe o pensamento objetivo, que se torna o conteúdo mesmo da ciência do pensamento puro. Ao afirmar um “pensamento objetivo” — aquele que tem a capacidade de se referir ao conteúdo da coisa mesma (die Sache selbst) e, com isso, de apreendê-la (begreifen) —, Hegel pretende explicitar que o pensamento puro deve cortar as amarras com o seu pendor representativo. O pensamento objetivo seria aquele que consegue captar, contra os grilhões das determinações subjetivas, a liberdade da objetividade do objeto. Com esse pressuposto, Hegel concebe a Ciência da Lógica como “o sistema da razão pura” — o organon do saber que explicita o desenvolvimento das determinações imanentes dos pensamentos. Portanto, esta comunicação pretende discutir a posição (Setzung) das pressuposições (Voraussetzungen) do pensamento objetivo, visando uma breve comparação entre as filosofias de Kant e Hegel para esclarecer o projeto da Lógica como o sistema da razão pura.
Ricardo Crissiuma
A formação do sistema, sobretudo com a identificação entre lógica e metafísica, levaria Hegel a perder o solo histórico de sua filosofia?
A permeabilidade entre o sistema filosófico hegeliano e a história é questão que atravessa dos primórdios até as mais recentes investigações da Hegel-Forschung. Marcantes na recepção da filosofia hegeliana até o começo dos anos 2000 são as reconstruções feitas na década de 70 e 80, que defendem a tese de que o acabamento do sistema hegeliano seria obtido ao preço de um abandono de seu solo histórico. Por meio de uma exposição de caráter programático, intentamos revisitar o desenvolvimento da relação entre lógica e filosofia nos escritos de juventude de Hegel como plataforma privilegiada para acompanhar esse problema em toda sua complexidade e testar essa conclusão. Se, de início, ainda na condição de ginasial em Stuttgart, os estudos de Hegel sobre a lógica compreendida como um “conjunto de regras do pensamento fazendo abstração da história da humanidade” e seus esforços teóricos por conceber uma via para superar as cisões próprias às sociedades dos mais novos tempos parecem seguir linhas paralelas senão divergentes, à medida que Hegel coloca, a partir de Tübingen, a filosofia kantiana no centro de seu projeto de religião popular, lógica e filosofia entram em rota de convergência. O problema da introdução à filosofia desenvolvido no primeiro período de Jena constitui, em seguida, a sala de operações para que todo esse processo culmine na identidade entre lógica e metafísica, que, para muitos, é o índice decisivo da formação do sistema hegeliano. O interesse da exposição estaria em investigar em que medida, à luz de pesquisas mais contemporâneas e da relação entre sistema e carecimento da filosofia, a tese de que a fusão entre lógica e metafísica levaria a um desligamento entre filosofia e história ainda pode ser sustentada.
Ricardo Henrique Carvalho Salgado e Danilo Ribeiro Peixoto
Críticas à “reatualização indireta” da Filosofia do Direito de Hegel como opção metodológica de Axel Honneth.
Axel Honneth ganha espaço como filósofo político de grande destaque nos dias de hoje. Em Sofrimento de Indeterminação, situado nos debates contemporâneos sobre teoria da Justiça, o autor procura resgatar a Filosofia do Direito de Hegel, apresentando um contraponto às concepções de Justiça que identifica, hoje, como prevalentes por meio desse resgate. Dentre seus interlocutores, destacam-se nomes como Habermas e Rawls, cujas teorias são permeadas por concepções de justiça de matriz kantiana. Os debates de Honneth, nesse sentido, se inserem na proposta por elaborar uma teoria da justiça como uma análise da sociedade contemporânea, portanto, apropriada à nossa realidade atual e voltada normativamente para esta. Honneth assume como estratégia o que denomina de “reatualização indireta” da Filosofia do Direito, que, nesse intento, busca afastar as premissas ontológicas da filosofia hegeliana. Defende que nem o conceito de Estado em Hegel e nem seu conceito ontológico de espírito seriam passíveis, hoje, de reabilitação, eis que representariam um retrocesso aos padrões pós-metafísicos de racionalidade, em seus termos. Por meio deste trabalho, procura-se criticar essa opção metodológica de Honneth e defender a perspectiva de que a obra hegeliana como um todo, que consagra uma filosofia sistemática, deve ser inteiramente lida a partir da ontologia. Segundo Hegel declara no parágrafo 31 da introdução às Linhas Fundamentais da Filosofia do Direito, apenas seria possível compreender a estrutura da filosofia do direito a partir da lógica, ou seja, da ontologia. Entende-se que fazer uma leitura “atualizada” da teoria de Hegel à sociedade contemporânea e à sua respectiva de práxis, de sorte a ignorar a ontologia hegeliana para “adequá-la” ao mundo de hoje, seria, na verdade, uma tentativa de aproximar alguns conceitos apartados da filosofia hegeliana aos demais marcos teóricos de Honneth, trazendo a filosofia do direito de Hegel ao paradigma do pensamento pós-metafísico, de que trata Habermas, no entanto, ao custo do desvirtuamento da obra do grande autor sistemático.
Ricardo Henrique Carvalho Salgado e Diego Manente Bueno de Araújo
Caminho para o Absoluto: a Lógica de Hegel como pensamento principal de seu sistema filosófico.
O objetivo desta comunicação é demonstrar, dentro do sistema filosófico hegeliano, o papel central ocupado pela Lógica. Parte-se da concepção de unicidade no pensamento hegeliano, extraída da obra de Henrique Cláudio Lima Vaz, ou seja, que todas as suas obras são constitutivas de um mesmo sistema filosófico. O que se pretende na filosofia, segundo Hegel, deve pensar o Absoluto, a Ideia. Isso só é possível com a Lógica, ciência do Absoluto, a partir do método dialético. Lógica é ontologia, conforme ensina Joaquim Carlos Salgado. Não é apenas forma ou condição de possibilidade de conhecer. É já o conhecer através da reconciliação entre momentos opostos. A história dá o conteúdo ao movimento dialético do pensar, e este já contém, em si mesmo, o Absoluto, objetivo da filosofia. Sendo assim, é o ponto de cumeada do sistema hegeliano. Todos os seus princípios devem ser utilizados para se interpretar o mundo, e Hegel mesmo o faz em sua obra, traçando um caminho claro e tortuoso até a chegada no ponto mais alto, na filosofia por excelência, na Lógica. O Absoluto está presente em cada mostrar-se de um objeto, mesmo naquilo que há de mais particular na manifestação de seu fenômeno. Alcançar a Ideia sobre o que se pretende conhecer só é possível através da aplicação da filosofia, ou seja, dos princípios da Lógica. O sistema filosófico de Hegel se constitui em um caminho de formação (Bildung) do Espírito. O Espírito Absoluto encontra seu habitat na ontologia, no conhecimento das coisas mesmas. Sendo assim, é necessário reconhecer a Lógica como o grande salto na filosofia de Hegel, pensamento que fecha e dá conteúdo e sentido ao seu sistema filosófico.
Ricardo Pereira Tassinari
Lógica e metafísica em Hegel: ciência subjetiva, ciência objetiva e teologia especulativa.
Segundo Hegel, somente mediante o pensar conhecemos, além da aparência imediata, o que é o mundo e o que nós próprios somos. Pode-se chamar de determinações de pensamento o que usamos para, mediante o pensar, determinar o que é o mundo e o que somos nós. Nesse sentido, cabe a Filosofia um estudo dessas determinações que nos permitem pensar o mundo e a nós próprios. Hegel denominou de Ciência da Lógica o estudo desse pensar e de suas determinações. Por isso, Hegel equiparava sua Ciência da Lógica com a Metafísica, esta vista como ciência das coisas tomadas no pensar que visa exprimir as essencialidades delas. Nesse contexto, cabe perguntar: como considerar a Ciência da Lógica e suas determinações? Seriam as determinações do pensar apenas subjetivas e a Lógica uma Ciência Subjetiva? Seriam as determinações objetivas e a Lógica uma Ciência Objetiva? Ou seriam elas de outra natureza, e, nesse caso, de qual natureza? Tais questões se colocam, necessariamente, a um pensamento que visa se conhecer e conhecer as naturezas de suas determinações. Hegel, no acréscimo ao § 17 da primeira edição da Enciclopédia das Ciências Filosóficas, diz que a Ciência da Lógica pode vir a ser considerada como Ciência Subjetiva, Ciência Objetiva e Teologia Especulativa. Em minha exposição, buscarei explicitar por que Hegel considera esses vários sentidos da Ciência da Lógica. Em especial, a consideração da Ciência da Lógica como Teologia Especulativa se dá na medida em que a Ciência da Lógica é o estudo da Ideia e existe, para Hegel, uma forte correlação entre os conceitos de Filosofia Especulativa, Ideia, Razão, Espírito e Deus, este último entendido sobretudo no âmbito filosófico, e não apenas no religioso, como Espírito Absoluto.
Robinson dos Santos
Sobre o ceticismo, seu significado e necessidade: a Introdução à Fenomenologia do Espírito revisitada.
O ceticismo é um tema abordado por Hegel em diversos momentos de sua trajetória e obra, e, também, com diferentes propósitos. Neste trabalho, pretendo abordar o tema do ceticismo tal como ele é tratado, especialmente na Introdução à Phänomenologie des Geistes (PhG), com o propósito de analisar o modo como Hegel define o ceticismo, a importância que confere a ele, quando aponta para o seu caráter imprescindível para que a consciência natural possa irromper de sua conformidade e mover-se para as etapas ulteriores de sua formação. Para levar a termo este objetivo, é de suma importância esclarecer, por um lado, o que ele entende como sendo “o caminho da dúvida [Zweifeln]” ou, ainda, do “desespero [Vezweiflung]” e, por outro, explicitar, de modo detalhado, a definição que Hegel apresenta no § 78, quando caracteriza a “dúvida” como a “penetração consciente na inverdade do saber fenomenal”. A questão que se coloca aqui é: qual a diferença entre o “caminho da dúvida ou do desespero” e o ceticismo enquanto tal? A resposta, ao menos num primeiro contato com o texto, não parece ser tão evidente. Se ele faz referência ali a um modo específico do ceticismo, a saber, àquele que “atingiu a perfeição”, então, é preciso esclarecer como este se distingue daquele que é, na sua concepção, imperfeito. Este último tipo de ceticismo parece beirar, conforme a caracterização do filósofo, o mero vacilo entre uma crença sem base sólida ou com pouca convicção e a recaída no desvanecimento posto pela dúvida. O ceticismo que atingiu a perfeição é aquele que faz a consciência superar sua condição fenomenal e “examinar o que é verdade”. O retorno à Introdução da PhG é indispensável para o esclarecimento da concepção de Hegel sobre a experiência da consciência e nos permite — a despeito de este tema ser tratado ao longo de toda sua obra, com diferentes variações — entrever ainda certos traços de atualidade.
Sabrina Paradizzo Senna
Efetivação da liberdade no Estado por um processo lógico na Filosofia do Direito de Hegel.
Pretendo demonstrar como Hegel chega a uma ideia de liberdade efetiva, partindo da vontade, através do processo lógico das doutrinas da essência e do conceito. Além disso, pretendo mostrar que essa liberdade efetiva só é possível dentro do Estado, representação ética máxima da universalidade e liberdade, a qual só alcançamos através de um processo lógico-dialético hegeliano, perpassando os momentos da Família, Sociedade Civil e Estado. Através de uma lógica transcendental ontológica, diferente da lógica tradicional, Hegel nos apresenta três categorias que são expressões do movimento do real: Ser, Essência e Conceito. O filósofo verá como no primeiro momento da vontade exercida pelo arbítrio, se trata de uma liberdade formal, pois a vontade é somente livre “em si”. Para realizar efetivamente a liberdade, a vontade tem que ser livre “em si e para si”. A liberdade só pode ser efetiva no direito, por meio do Estado e da Constituição, e só se torna efetiva e real quando ela for universal e positiva. Essa passagem da vontade como arbítrio para vontade livre se dá por meio de uma negatividade que é referente a si, nos permitindo fazer uma comparação do movimento lógico da Doutrina da Essência à Doutrina do Conceito. A vontade enquanto determinada no individual é formal e, no entanto, arbítrio, submetida à Doutrina da Essência. Quando há autodeterminação da vontade como ponto de partida de uma única consciência, valores são somente autodeterminações arbitrárias, e não se pode ter como fundamento uma consciência única, mas a coletividade na universalidade das instituições, ao falarmos da vontade livre, que perpassa a doutrina do Conceito, ao passo que este momento não se trata mais de relacionar internamente elementos diferentes, mas, sim, de seus desdobramentos, no entanto, ainda está além, nos permitindo pensar numa teoria dialética de eticidade para realização efetiva da liberdade. Partindo da insuficiência do âmbito da Família, em que as integrações ocorrem por amor, alcançamos a Sociedade Civil, que é unida por interesses meramente particulares, sem capacidade de integrá-los, chegamos ao Estado, o único capaz de integrar esses interesses particulares num todo universal, proporcionando, aos homens, direitos, deveres e liberdade efetiva no reconhecimento mútuo entre cidadãos e cidadão-instituição-cidadão.
Silvana Colombo de Almeida
A Lógica e a Filosofia do Direito hegelianas: caminhos para uma filosofia dos Direitos Humanos não jusnaturalista.
As discussões que perpassam as teorias e filosofias que tratam do tema dos Direitos Humanos esbarram em questões polêmicas na atualidade, tais como o problema do multiculturalismo, da universalidade, do comprometimento dos Estados em assegurar o cumprimento desses direitos dentro dos seus ordenamentos jurídicos nacionais, além da questão do conteúdo e do alcance de suas garantias. O intuito do presente trabalho é analisar as contribuições que a Lógica hegeliana e o desenvolvimento lógico da sua Filosofia do Direito trazem ao debate acerca, especificamente, do conteúdo e do alcance dos Direitos Humanos na contemporaneidade, possibilitando uma reflexão que vá além dos limites impostos pelas filosofias modernas do direito natural e do direito racional, sobremaneira numa proposta que, reconstruindo criticamente o jusnaturalismo na determinidade imediata do direito abstrato, possa, conforme exige a lógica especulativa, desenvolver, progressivamente, as determinações do conceito de Direitos Humanos, demonstrando a insuficiência de sua determinação inicial e o necessário suprassumir-se na liberdade concreta, inserida nas relações morais e éticas.
Thiago Ferrare
Crítica como processo imanente: Erfahrung, negação determinada e materialismo
Tomar a configuração concreta do mundo social como ponto de partida da filosofia crítica: eis a exigência geral do projeto de Hegel. Tal abordagem pretende superar a naturalização do mundo com base no recurso à historicidade das categorias práticas e teóricas disponíveis num dado contexto social. A exigência de não naturalização do mundo nos obriga a tomá-lo em sua forma conceitual. Enquanto conceito, o mundo possui história, possui justificação. A história de formação dos padrões conceituais de interação intersubjetiva é, portanto, a própria instância de validação da forma concreta da facticidade. Enquanto produto da história, a forma de vida se produz por negações não abstratas, o que se faz evidente desde o ponto de vista que acessa o devir dos fenômenos como desdobramento imanente da conceitualidade da vida social. A historicidade da experiência (Erfahrung) é evidenciada, por Hegel, a partir da ideia de negação determinada. O nós que faz ciência acessa o mundo enquanto produto de processos discursivos de resolução de conflitos — axiológicos ou cognitivos, enquanto produto da negação de algo determinado, portanto. A estrutura conceitual da realidade, nesse sentido, somente pode ser compreendida à luz de seu devir: o aparato categorial atual é sempre o resultado de correções de nossos padrões de relação com o mundo sociomoral e com o mundo objetivo. É justamente a ideia de correção que abre espaço para uma leitura materialista do projeto crítico hegeliano: o atrito entre o conceito e a história é o motor da experiência, da crítica às formas de vida historicamente construídas.
Tomás Farcic Menk
A Lógica como fundamentação metafísica das ciências reais.
Este trabalho consiste em analisar a passagem da Ciência da Lógica para a Filosofia da Natureza na Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio de 1830. Tentaremos responder a seguinte questão: dado que Hegel é um metafísico idealista, a natureza é, em sua essência, apenas pensar ou ela possui independência e existência própria, ainda que seja possível explicá-la racionalmente por meio da estrutura lógico-conceitual? Para responder essa questão, dividimos nosso trabalho em três partes, a saber: 1 – Fazer uma defesa da Lógica como metafísica, e, portanto, possuidora de uma racionalidade capaz de abarcar a absoluto. 2 – Fazer uma defesa de que este absoluto do pensar pode pensar o natural em sua essência, mas que este natural tem autonomia própria e autogeradora. 3 – Contrapor nossa leitura, de uma metafísica que fundamenta as ciências naturais, com a leitura contemporânea dos filósofos analíticos de Hegel, que defendem uma sistematicidade autorreguladora, que, por si só, possibilita as ciências naturais, não dependendo assim, de uma Lógica metafísica como fundamentadora.
Thadeu Weber
Liberdade e reconhecimento na Filosofia do Direito de Hegel.
O propósito do estudo é identificar e explicitar o papel desempenhado pelo reconhecimento na concretização e efetivação da ideia da liberdade na Filosofia do Direito de Hegel. Isso significa mostrar que a realização da vontade livre individual inclui necessariamente o reconhecimento dos outros e das instituições sociais. Dessa forma, direito, liberdade e reconhecimento passam por diferentes níveis de realização. O desafio é demonstrar que nessas instâncias de mediação as vontades individuais não são enfraquecidas ou eliminadas, mas, porque mediadas e reconhecidas, são asseguradas e fortalecidas. Com isso, é minimizada a suspeita de “consequências antidemocráticas” que recaem sobre a concepção do Estado hegeliano. Depois da família e da sociedade civil, o Estado representa o terceiro nível da realização da liberdade. Numa relação hierárquica, ele é a última e definitiva estrutura garantidora de efetivação do princípio pressuposto da Filosofia do Direito. O exercício de uma “atividade universal” representa a afirmação e a satisfação do próprio interesse individual. A ideia de que o Estado somos nós tem o sentido de que interesses particulares e a “coisa pública” se imbricam mutuamente. Daí a insistência em vincular a efetivação da liberdade individual ao reconhecimento recíproco. As chances de realização da liberdade individual aumentam na medida em que aumenta a capacidade de universalização das orientações dos cidadãos, isto é, na medida em que são capazes de contribuir para a realização do interesse público.
Verrah Chamma
O que é racional é efetivo; o que é efetivo é racional: A representação política atomista como obstáculo à racionalidade institucional.
A representação política não é um fenômeno exclusivo da modernidade, mas é nesse período que ela amadurece como meio por excelência que permite algum grau de existência, legitimação e permanência dos interesses individuais e coletivos dos cidadãos no interior do Estado, transformando-os em direitos. Embora a Revolução Francesa tenha chamado a atenção para a urgência de uma representação política mais abrangente quantitativa e qualitativamente, essa reivindicação se restringe ao âmbito da representação de indivíduos, e partindo de indivíduos, considerados isolada e fragmentariamente. Ela é atomista, portanto, no autor (o eleitor) e no ator (o representante eleito). Mas o atomismo, quando se torna o princípio que fundamenta a representação política enquanto mecanismo legítimo de “atuação legalmente determinada” dos cidadãos no Estado, se revela, ao fim e ao cabo, não apenas insuficiente, mas incompatível e conflitante com a natureza substancial do Estado. A representação atomista é capaz apenas de agregar interesses coincidentes, mas o bem universal é irredutível à soma empírica dos interesses que coexistem em uma comunidade política. O que é um problema verdadeiramente filosófico para Hegel é a forma pela qual estes mesmos interesses se relacionam com a esfera público-política, bem como a forma pela qual os círculos corporativos nos quais os homens constituem-se como indivíduos e membros existem dentro dela. E a forma a ser superada e que constitui por excelência o atomismo político, é a da fragmentação destes mesmos indivíduos, ao desconsiderar seus vínculos e pertencimentos particulares. O suporte ou mecanismo pelo qual a representação política é viabilizada em um Estado qualquer influencia e afeta, portanto, a realização efetiva da racionalidade no plano objetivo, propriamente institucional da totalidade espiritual.